segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

SUGESTÕES DE LIVROS

* As palavras que nunca te direi; * Uma curva na estrada; * Porto seguro; * Corações em silêncio; AUTOR - NICKOLAS SPARKS "Histórias lindas e emocionantes!!!

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

PRONOME PESSOAL DO CASO OBLÍQUO

Pronome pessoal do caso oblíquo é aquele que, na sentença, exerce a função de complemento verbal (objeto direto ou indireto) ou complemento nominal. Por exemplo: Ofertaram-nos flores. (objeto indireto) Obs.: em verdade, o pronome oblíquo é uma forma variante do pronome pessoal do caso reto. Essa variação indica a função diversa que eles desempenham na oração: pronome reto marca o sujeito da oração; pronome oblíquo marca o complemento da oração. Os pronomes oblíquos sofrem variação de acordo com a acentuação tônica que possuem, podendo ser átonos ou tônicos. Pronome Oblíquo Átono São chamados átonos os pronomes oblíquos que não são precedidos de preposição. Possuem acentuação tônica fraca. Por exemplo: Ele me deu um presente. O quadro dos pronomes oblíquos átonos é assim configurado: - 1ª pessoa do singular (eu): me - 2ª pessoa do singular (tu): te - 3ª pessoa do singular (ele, ela): o, a, lhe - 1ª pessoa do plural (nós): nos - 2ª pessoa do plural (vós): vos - 3ª pessoa do plural (eles, elas): os, as, lhes Observações: O lhe é o único pronome oblíquo átono que já se apresenta na forma contraída, ou seja, houve a união entre o pronome o ou a e preposição a ou para. Por acompanhar diretamente uma preposição, o pronome lhe exerce sempre a função de objeto indireto na oração. Os pronomes me, te, nos e vos podem tanto ser objetos diretos como objetos indiretos. Os pronomes o, a, os e as atuam exclusivamente como objetos diretos. Saiba que: Os pronomes me, te, lhe, nos, vos e lhes podem combinar-se com os pronomes o, os, a, as, dando origem a formas como mo, mos, ma, mas; to, tos, ta, tas; lho, lhos, lha, lhas; no-lo, no-los, no-la, no-las, vo-lo, vo-los, vo-la, vo-las. Observe o uso dessas formas nos exemplos que seguem: - Trouxeste o pacote? - Não contaram a novidade a vocês? - Sim, entreguei-to ainda há pouco. - Não, não no-la contaram. No português do Brasil, essas combinações não são usadas; até mesmo na língua literária atual, seu emprego é muito raro. Atenção: Os pronomes o, os, a, as assumem formas especiais depois de certas terminações verbais. Quando o verbo termina em -z, -s ou -r, o pronome assume a forma lo, los, la ou las, ao mesmo tempo que a terminação verbal é suprimida. Por exemplo: fiz + o = fi-lo fazeis + o = fazei-lo dizer + a = dizê-la Quando o verbo termina em som nasal, o pronome assume as formas no, nos, na, nas. Por exemplo: viram + o: viram-no repõe + os = repõe-nos retém + a: retém-na tem + as = tem-nas Pronome Oblíquo Tônico Os pronomes oblíquos tônicos são sempre precedidos por preposições, em geral as preposições a, para, de e com. Por esse motivo, os pronomes tônicos exercem a função de objeto indireto da oração. Possuem acentuação tônica forte. O quadro dos pronomes oblíquos tônicos é assim configurado: - 1ª pessoa do singular (eu): mim, comigo - 2ª pessoa do singular (tu): ti, contigo - 3ª pessoa do singular (ele, ela): ele, ela - 1ª pessoa do plural (nós): nós, conosco - 2ª pessoa do plural (vós): vós, convosco - 3ª pessoa do plural (eles, elas): eles, elas - Observe que as únicas formas próprias do pronome tônico são a primeira pessoa (mim) e segunda pessoa (ti). As demais repetem a forma do pronome pessoal do caso reto. - As preposições essenciais introduzem sempre pronomes pessoais do caso oblíquo e nunca pronome do caso reto. Nos contextos interlocutivos que exigem o uso da língua formal, os pronomes costumam ser usados desta forma: Não há mais nada entre mim e ti. Não se comprovou qualquer ligação entre ti e ela. Não há nenhuma acusação contra mim. Não vá sem mim. Atenção: Há construções em que a preposição, apesar de surgir anteposta a um pronome, serve para introduzir uma oração cujo verbo está no infinitivo. Nesses casos, o verbo pode ter sujeito expresso; se esse sujeito for um pronome, deverá ser do caso reto. Por exemplo: Trouxeram vários vestidos para eu experimentar. Não vá sem eu mandar. - A combinação da preposição "com" e alguns pronomes originou as formas especiais comigo, contigo, consigo, conosco e convosco. Tais pronomes oblíquos tônicos frequentemente exercem a função de adjunto adverbial de companhia. Por exemplo: Ele carregava o documento consigo. - As formas "conosco" e "convosco" são substituídas por "com nós" e "com vós" quando os pronomes pessoais são reforçados por palavras como outros, mesmos, próprios, todos, ambos ou algum numeral. Por exemplo: Você terá de viajar com nós todos. Estávamos com vós outros quando chegaram as más notícias. Ele disse que iria com nós três. Pronome Reflexivo São pronomes pessoais oblíquos que, embora funcionem como objetos direto ou indireto, referem-se ao sujeito da oração. Indicam que o sujeito pratica e recebe a ação expressa pelo verbo. O quadro dos pronomes reflexivos é assim configurado: - 1ª pessoa do singular (eu): me, mim. Por exemplo: Eu não me vanglorio disso. Olhei para mim no espelho e não gostei do que vi. - 2ª pessoa do singular (tu): te, ti. Por exemplo: Assim tu te prejudicas. Conhece a ti mesmo. - 3ª pessoa do singular (ele, ela): se, si, consigo. Por exemplo: Guilherme já se preparou. Ela deu a si um presente. Antônio conversou consigo mesmo. - 1ª pessoa do plural (nós): nos. Por exemplo: Lavamo-nos no rio. - 2ª pessoa do plural (vós): vos. Por exemplo: Vós vos beneficiastes com a esta conquista. Por exemplo: - 3ª pessoa do plural (eles, elas): se, si, consigo. Por exemplo: Eles se conheceram. Elas deram a si um dia de folga.

MODO IMPERATIVO

Modo verbal IMPERATIVO, expressa uma ordem, pedido, recomendação, alerta, convite, conselho, súplica, etc. Vejamos alguns exemplos de verbos no modo imperativo para ficar mais claro o conceito deste modo verbal. Exemplos: •Vamos, corram! •Perdoe-me, eu lhe imploro. •Por favor, diga-me onde fica esta praça. •Organizem-se rapidamente. •Faça o que digo, agora! Formação do imperativo O imperativo é formado de uma maneira diferente dos demais modos. Notem-se duas coisas: a) No imperativo, não existe a primeira pessoa do singular (eu). b) O imperativo é indeterminado em tempo. Supõe-se que, como se trata de uma ordem, a ação se dará no futuro. Imperativo Afirmativo: •para tu •pare você •paremos nós •parai vós •parem vocês OBSERVAÇÕES: a) Na segunda pessoa (Tu ou Vós) usa-se o verbo conjugado nas segundas pessoas do singular e plural, respectivamente pertencentes ao presente do indicativo cortando-se a letra s. A exceção é o verbo “ser”: sê tu, sede vós. b) Para os pronomes você ou vocês usa-se o verbo conjugado na terceira pessoa do presente do subjuntivo. c) Na primeira pessoa do plural (nós), usamos o verbo conjugado na primeira pessoa do singular do presente do subjuntivo. Imperativo Negativo: •não pares tu •não pare você •não paremos nós •não pareis vós •não parem vocês OBSERVAÇÃO: No imperativo negativo, todas as pessoas coincidem com a forma verbal do presente do subjuntivo.

INTERJEIÇÃO

Interjeição é a palavra invariável que exprime emoções, sensações, estados de espírito, ou que procura agir sobre o interlocutor, levando-o a adotar certo comportamento sem que, para isso, seja necessário fazer uso de estruturas linguísticas mais elaboradas. Observe o exemplo: Droga! Preste atenção quando eu estou falando! No exemplo acima, o interlocutor está muito bravo. Toda sua raiva se traduz numa palavra: Droga! Ele poderia ter dito: - Estou com muita raiva de você! Mas usou simplesmente uma palavra. Ele empregou a interjeição Droga! As sentenças da língua costumam se organizar de forma lógica: há uma sintaxe que estrutura seus elementos e os distribui em posições adequadas a cada um deles. As interjeições, por outro lado, são uma espécie de "palavra-frase", ou seja, há uma ideia expressa por uma palavra (ou um conjunto de palavras - locução interjetiva) que poderia ser colocada em termos de uma sentença. Veja os exemplos: 1.Bravo! Bis! bravo e bis: interjeição sentença (sugestão): "Foi muito bom! Repitam!" 2.Ai! Ai! Ai! Machuquei meu pé... ai: interjeição sentença (sugestão): "Isso está doendo!" ou "Estou com dor!" A interjeição é um recurso da linguagem afetiva, em que não há uma ideia organizada de maneira lógica, como são as sentenças da língua, mas sim a manifestação de um suspiro, um estado da alma decorrente de uma situação particular, um momento ou um contexto específico. Exemplos: 1.Ah, como eu queria voltar a ser criança! ah: expressão de um estado emotivo = interjeição 2.Hum! Esse pudim estava maravilhoso! hum: expressão de um pensamento súbito = interjeição O significado das interjeições está vinculado à maneira como elas são proferidas. Desse modo, o tom da fala é que dita o sentido que a expressão vai adquirir em cada contexto de enunciação. Exemplos: 1.Psiu! contexto: alguém pronunciando essa expressão na rua significado da interjeição (sugestão): "Estou te chamando! Ei, espere!" 2.Psiu! contexto: alguém pronunciando essa expressão em um hospitalsignificado da interjeição (sugestão): "Por favor, faça silêncio!" 3.Puxa! Ganhei o maior prêmio do sorteio! puxa: interjeição tom da fala: euforia 4.Puxa! Hoje não foi meu dia de sorte! puxa: interjeição tom da fala: decepção As interjeições cumprem, normalmente, duas funções: a) Sintetizar uma frase exclamativa, exprimindo alegria, tristeza, dor, etc. Por exemplo: - Você faz o que no Brasil? -Eu? Eu negocio com madeiras. -Ah, deve ser muito interessante. b) Sintetizar uma frase apelativa Por exemplo: Cuidado! Saia da minha frente. As interjeições podem ser formadas por: a) simples sons vocálicos: Oh!, Ah!, Ó, Ô. b) palavras: Oba!, Olá!, Claro! c) grupos de palavras (locuções interjetivas): Meu Deus!, Ora bolas! A ideia expressa pela interjeição depende muitas vezes da entonação com que é pronunciada; por isso, pode ocorrer que uma interjeição tenha mais de um sentido. Por exemplo: Oh! Que surpresa desagradável! (ideia de contrariedade) Oh! Que bom te encontrar. (ideia de alegria)

VOCATIVO

Vocativo é um termo que não possui relação sintática com outro termo da oração. Não pertence, portanto, nem ao sujeito nem ao predicado. É o termo que serve para chamar, invocar ou interpelar um ouvinte real ou hipotético. Por seu caráter, geralmente se relaciona à segunda pessoa do discurso. Veja os exemplos: Não fale tão alto, Rita! Vocativo Senhor presidente, queremos nossos direitos! Vocativo A vida, minha amada, é feita de escolhas. Vocativo Nessas orações, os termos destacados são vocativos: indicam e nomeiam o interlocutor a que se está dirigindo a palavra. Obs.: o vocativo pode vir antecedido por interjeições de apelo, tais como ó, olá, eh!, etc. Por Exemplo: Ó Cristo, iluminai-me em minhas decisões. Olá professora, a senhora está muito elegante hoje! Eh! Gente, temos que estudar mais.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

FÁBULAS - A CIGARRA E A FORMIGA

A cigarra e a formiga - Diferentes versões A cigarra e a formiga (A formiga boa) Houve uma jovem cigarra que tinha o costume de chiar ao pé do formigueiro. Só parava quando cansadinha; e seu divertimento era observar as formigas na eterna faina de abastecer as tulhas. Mas o bom tempo afinal passou e vieram as chuvas, Os animais todos, arrepiados, passavam o dia cochilando nas tocas. A pobre cigarra, sem abrigo em seu galhinho seco e metida em grandes apuros, deliberou socorrer-se de alguém. Manquitolando, com uma asa a arrastar, lá se dirigiu para o formigueiro. Bateu – tique, tique, tique... Aparece uma formiga friorenta, embrulhada num xalinho de paina. - Que quer? – perguntou, examinando a triste mendiga suja de lama e a tossir. - Venho em busca de agasalho. O mau tempo não cessa e eu... A formiga olhou-a de alto a baixo. - E que fez durante o bom tempo que não construí a sua casa? A pobre cigarra, toda tremendo, respondeu depois dum acesso de tosse. - Eu cantava, bem sabe... - Ah!... exclamou a formiga recordando-se. Era você então que cantava nessa árvore enquanto nós labutávamos para encher as tulhas? - Isso mesmo, era eu... Pois entre, amiguinha! Nunca poderemos esquecer as boas horas que sua cantoria nos proporcionou. Aquele chiado nos distraía e aliviava o trabalho. Dizíamos sempre: que felicidade ter como vizinha tão gentil cantora! Entre, amiga, que aqui terá cama e mesa durante todo o mau tempo. A cigarra entrou, sarou da tosse e voltou a ser a alegre cantora dos dias de sol. Do livro Fábulas, Monteiro Lobato, 1994. A formiga má Já houve, entretanto, uma formiga má que não soube compreender a cigarra e com dureza a repeliu de sua porta. Foi isso na Europa, em pleno inverno, quando a neve recobria o mundo com seu cruel manto de gelo. A cigarra, como de costume, havia cantado sem parar o estio inteiro e o inverno veio encontrá-la desprovida de tudo, sem casa onde abrigar-se nem folinha que comesse. Desesperada, bateu à porta da formiga e implorou - emprestado, notem! - uns miseráveis restos de comida. Pagaria com juros altos aquela comida de empréstimo, logo que o tempo o permitisse. Mas a formiga era uma usurária sem entranhas. Além disso, invejosa. Como não soubesse cantar, tinha ódio à cigarra por vê-la querida de todos os seres. - Que fazia você durante o bom tempo? - Eu... eu cantava!... - Cantava? Pois dance agora, vagabunda! - e fechou-lhe a porta no nariz. Resultado: a cigarra ali morreu entanguidinha; e quando voltou a primavera o mundo apresentava um aspecto mais triste. É que faltava na música do mundo o som estridente daquela cigarra, morta por causa da avereza da formiga. Mas se a usurária morresse, quem daria pela falta dela? Monteiro Lobato A cigarra e a formiga A cigarra, sem pensar em guardar, a cantar passou o verão. Eis que chega o inverno, e então, sem provisão na despensa, como saída, ela pensa em recorrer a uma amiga: sua vizinha, a formiga, pedindo a ela, emprestado, algum grão, qualquer bocado, até o bom tempo voltar. "Antes de agosto chegar, pode estar certa a senhora: pago com juros, sem mora." Obsequiosa, certamente, a formiga não seria. "Que fizeste até outro dia?" perguntou à imprevidente. "Eu cantava, sim, Senhora, noite e dia, sem tristeza." "Tu cantavas? Que beleza! Muito bem: pois dança agora..." Do livro Fábulas de La Fontaine, 1992. Sem barra Enquanto a formiga Carrega comida Para o formigueiro, A cigarra canta, Canta o dia inteiro. A formiga é só trabalho. A cigarra é só cantiga. Mas sem a cantiga da cigarra que distrai da fadiga, seria uma barra o trabalho da formiga

MEMÓRIAS

Chama-se memórias ao gênero de literatura em que o narrador conta fatos da sua vida. É tipicamente um gênero do modo narrativo, assim como a novela e o conto, porém essa classificação é predominantemente atribuída a histórias verídicas ou baseadas em fatos reais. Diferencia-se da biografia pois não se prende a contar a vida de alguém em particular, mas sim narrar as suas lembranças. Em se tratando da comunidade científica, é bastante comum os cientistas e pesquisadores comunicarem-se entre si por meio de cartas, ou mais recentemente, por meio de e-mails, nos quais o gênero predominante é a memória. Ou seja, quando, por exemplo, Charles Darwin escreveu ao senhor Hudson pedindo esclarecimentos sobre os hábitos do Molothrus banarienses, semelhante aos estorninhos (A Origem das espécies por meios da seleção natural. DARWIN, Charles Robert. Tradução de: André Campos Mesquita. pg 112. São paulo: Escala, 20??. Tomo II. Coleção: Grandes obras do pensamento universal) e quando este respondeu, respectivamente, àquele; ambos utilizam o gênero memória. Quando dois pesquisadores trocam informações sobre determinado experimento ou sobre os resultados obtidos em determinado procedimento, eles também utilizam esse gênero. Poderíamos reduzi-lo, então, ao ato de transcrever e comunicar algo que se passou e que, portanto, se lembra; daí, o gênero memória aplicado à finalidade científica. É importante lembrar que tal gênero abre espaço para a opinião de quem escreve em função do assunto tratado, de modo que os interlocutores desse gênero compartilham não apenas a informação fatídica, mas também constroem uma interpretação juntos. Seria uma maneira informal de os cientistas comunicarem-se, visto que esse gênero nem exige tanto rigor quanto um relatório, mas, porém, está calcado no raciocínio típico do método científico. Livros: * Memórias Póstumas de Brás Cubas; Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis Share on twitterShare on facebookShare on orkutShare on emailMore Sharing Services Versão para impressão Análise da obra É a obra inaugural da fase realista de Machado de Assis, representando uma verdadeira revolução de idéias e formas: de idéias, porque aprofunda o desprezo pelas idealizações românticas, fazendo emergir a consciência nua do indivíduo, fraco e incoerente; de formas, pela ruptura com a linearidade da narrativa e pelo estilo "enxuto". É também obra inaugural do romance psicológico no Brasil. É a partir de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) que Machado de Assis atinge o ponto mais alto e equilibrado da ficção brasileira. É o drama da irremediável tolice humana. São as memórias de um homem igual a tantos outros, o cauto e desfrutador Brás Cubas, que tudo tentou e nada deixou. A vida moral e afetiva é superada pela existência biologicamente satisfeita, e as personagens se acomodam cinicamente ao erro. Estrutura da obra A estrutura de Memórias Póstumas de Brás Cubas tem uma lógica narrativa surpreendente e inovadora. A seqüência do livro não é determinada pela cronologia dos fatos, mas pelo encadeamento das reflexões do personagem. Uma lembrança puxa a outra e o narrador Brás Cubas, que prometera contar uma determinada história, comenta todos os outros fatos que a envolvem, para retomar o tema anunciado muitos capítulos depois. Organizados em blocos curtos, os 160 capítulos de Memórias Póstumas de Brás Cubas fluem segundo o ritmo do pensamento do narrador. A aparente falta de coerência da narrativa, permeada por longas digressões, dissimula uma forte coerência interna, oferecendo ao leitor todas as informações para conhecer a visão de mundo de um homem que passou pela vida sem realização nenhuma, apenas ao sabor de seus desejos. Logo nas primeiras páginas, o escritor brinca com a expectativa do leitor de chegar logo às ações do romance. Machado de Assis, por intermédio do seu narrador, se dirige diretamente ao leitor, metalingüisticamente, para comentar o livro. Diz Brás Cubas: “Veja o leitor a comparação que melhor lhe quadrar, veja-a e não esteja daí a torcer-me o nariz, só porque ainda não chegamos à parte narrativa destas memórias. Lá iremos. Creio que prefere a anedota à reflexão, como os outros leitores, seus confrades, e acho que faz muito bem”. Personagens Brás Cubas - narrador - morto aos 64 anos - “ainda próspero e rijo”, fidalgo. Peralta quando criança, mimado pelo pai, irresponsável quando adolescente, tornou-se um homem egoísta a ponto de discutir com a irmã pela prataria que fiou de herança do pai e tornar-se amante de seu amigo, Lobo Neves, se bem que nesse romance não se pode dizer propriamente que alguém é amigo de outro. Virgília - filha do comendador Dutra, segundo o pai de Brás, Bento Cubas A “Ursa Maior” amante de Brás Cubas casa-se com Lobo Neves por interesse. Mulher bonita, ambiciosa, que parece gostar sinceramente de Brás Cubas, mas jamais se revela disposta a romper com sua posição social ou dispensar o conforto e o reconhecimento da sociedade. Damião Lobo Neves - casado com Virgília, homem frio e calculista. Marido de Virgília, homem sério, integrado ao sistema, ambicioso, mas muito mais supersticioso, pois recusou nomeação pra presidente de uma província só porque a referida nomeação aconteceu num dia 13. Quincas Borba - menino terrível que dava tombos no paciente professor Barata, colega de escola de Brás que o encontrará mais tarde mendigo que rouba-lhe um relógio mas retorna-o ao colega após receber uma herança. amigo de infância do protagonista. Desde criança era de um temperamento ativo, exaltado, querendo ser sempre superior nas brincadeiras. Cubas diz que ele é impressionante quando brinca de imperador. Quando adulto, passa pelo estado de mendigo, evoluindo depois para filósofo e desenvolve um sistema filosófico, denominado Humanitismo, que pretende superar e suprimir todos os demais sistemas até tornar-se uma religião. Marcela - Segundo grande amor de Brás Cubas, uma prostituta de elite, cujo amor por Brás duraria quinze meses e onze contos de réis. Mulher sensual, mentirosa, amiga de rapazes e de dinheiro. Ganha muitas jóias do adolescente Brás Cubas. Contrai varíola e fica feia, com a pela grassa como uma lixa. Sabina - irmã do narrador e que, como ele, valoriza mais o interesse pessoa e a posição social do que amizade ou laços de parentesco. Cotrin - casado com Sabina, é interesse, traficante de escravos e cruel com eles, mandando-os castigar até correr sangue. Eugênia - Filha de Eusébia e Vilaça, menina bela embora coxa. Era moça séria, tranqüila, dotada de olhos negros e olhar direitoAche os cursos e faculdades ideais para você. É fácil e rápido. e franco. Tinha “idéias claras, maneiras chãs, certa graça natural, um ar de senhora, e não sei se alguma outra cousa; sim, a boca exatamente a boca da mãe". Nhá Loló - moça simplória, tinha dotes de soprano - morre de febre amarela. Cotrim - casado com Sabina, irmã de Brás; ambos interesseiros. Nhonhô - filho de Virgília. D. Plácida empregada de Virgília confidente e protetora de sua relação extra conjugal. Enredo O romance é a autobiografia de Brás Cubas, narrador-personagem (1ª pessoa) que, depois de morto, na condição de "defunto-autor", resolve escrever suas memórias. Por estar morto, Brás Cubas assume uma posição transtemporal, de quem vê a própria existência já de fora dela, "desse outro lado do mistério", de modo onisciente, descontínuo e sem a pressa dos vivos. O fato de Brás Cubas colocar-se como um "defunto-autor", isto é, como alguém que conta a sua vida de além-túmulo, dá-nos a impressão que se trata de um relato caracterizado pela isenção, pela imparciabilidade de quem já não tem necessidade de mentir, pois deixou o mundo e todas as suas ilusões. Essa é uma das famosas armadilhas machadeanas, contra a credulidade do leitor ingênuo e romântico de sua época. Os fatos são narrados à medida que afloram à memória do narrador, que vai tecendo suas digressões, refletindo sobre seus atos, sobre as pessoas, exteriorizando uma visão cínica, irônica e desencantada de si mesmo e dos outros. Espécie de anti-modelo, de personagem-símbolo da ironia machadeana quanto ao ideal burguês de "vencer na vida", a figura de Brás Cubas constitui uma inversão da travessia de heróis burgueses, tematizados pela literatura realista. Machado de Assis ao escolher a situação fantástica de um morto que conta histórias, e que mesmo estando do outro lado da vida procura mais "parecer" do que "ser", isto é, na mente, ilude e distorce os fatos, escondendo suas misérias para que sejam vistas como superioridades, questiona tanto a forma quanto o conteúdo do realismo tradicional. Brás Cubas conta a história de sua vida, a partir de sua morte. Seu ouvinte é o leitor virtual, cinco ou dez leitores, segundo acredita (cap. 34), Virgília, que espera venha a ler o livro (cap. 27), ou um cavalheiro (cap.87), narrador diferente da leitura romântica a quem o narrador das obras anteriores se dirige. Brás Cubas nasceu em 20/10/1805, no Rio de Janeiro, filho de Bento Cubas, da família burguesa que se enriqueceu com o comércio. Tinha uma única irmã, Sabina, casada com Cotrin, com quem teve uma filha, Venância. Seus tios eram João, oficial da infantaria, Ildefonso, padre , e Emerenciana, a maior autoridade de sua infância. Ao falecer, tinha 64 anos (...expirou às duas da tarde de uma Sexta-feira de agosto de 1869), era solteiro e seu enterro teve 11 pessoas. Sua morte foi assistida por 3 mulheres: a irmã Sabina, a sobrinha e Virgília, um de seus amores não concretizados. Nos nove primeiros capítulos, Brás Cubas descreve a sua morte (cap.1), o emplasto (uma idéia fixa que teve, ao final da vida, de inventar um “medicamento anti-hipocondríaco”, isto é, que curasse a mania de doença das pessoas), sua origem (cap.3), a idéia fixa do emplasto (cap.4), sua doença (cap.5), a visita de Virgília (cap.6), o delírio (pesadelo que teve antes de morrer em que lhe aparece Natureza ou Pandora, dona dos bens e dos males humanos, dentre os quais, o maior de todos é a esperança, cap.7), razão contra a sandice (em que a razão expulsa a sandice, cap.8) e transição (cap.9, em que o narrador faz uma reflexão metalingüística e retoma o fio narrativo, cronológico de sua vida, a partir de seu nascimento em 1805). A partir do cap.10, a vida de Brás Cubas é contada de forma sucessiva: nascimento, batizado, infância, juventude. Relata um episódio de 1814 quando, aos nove anos, delata uma cena de beijo entre Dr. Vilaça, “casado e pai” e D. Eusébia, uma “robusta donzela”. É aluno do mestre Ludgero Barata, “calado, obscuro, pontual” e colega de Quincas Borba, “uma flor”, o menino “mais gracioso, inventivo e travesso”. Em 1822, data da independência política do Brasil, torna-se o prisioneiro amoroso de Marcela, “amiga do dinheiro e de rapazes”, em quem dá o primeiro beijo e cuja paixão dura “quinze meses e onze contos de réis”. Obrigado pelo pai, vai para a Europa, estudar. Em Coimbra, torna-se bacharel, “mediocremente”. Na história de sua vida, são intercalados capítulos como O almocreve (cap.21) e A borboleta preta (cap.31), que são puramente filosóficos. Quando a mãe adoece, Brás Cubas volta ao Brasil, para velá-la, em seus últimos dias. Tendo aprendido na universidade a ornamentação da História e da Jurisprudência, e não sua essência, passa a usá-la para viver na superficial sociedade em que vivia. Seu pai quer que se torne deputado e lhe arranja uma noiva, Virgília, filha do Conselheiro Dutra, 15 ou 16 anos, atraente e voluntariosa. No entanto, Brás Cubas vai visitar Eusébia, a mesma do episódio de 1814, que tinha uma filha de dezessete anos, Eugênia, “coxa de nascença”, uma “Vênus manca”. Brás Cubas a corteja, mas opta por Virgília, “uma jóia, uma flor, uma estrela, uma coisa rara”. Brás Cubas encontra Marcela, envelhecida, rosto marcado pelas “bexigas”, com um pequeno comércio na rua dos Ourives. Ao encontra-se com Virgília, tem uma alucinação e vê a namorada com o rosto marcado como o de Marcela, mas passa. Virgília, no entanto, ambiciosa, casa-se com Lobo Neves, um homem que lhe pareceu mais promissor que Brás Cubas. O pai de Cubas, desgostoso, morreu, inconformado. Brás Cubas, a irmã Sabina e o cunhado, Cotrin, disputaram a herança do pai e em tudo pode-se observar o interesse material determinando o comportamento das pessoas. Brás Cubas torna-se recluso, escrevendo política e fazendo literatura, chegando a alcançar reputação de polemista e poeta. Luis Dutra, um primo poeta de Virgília, avisa Brás Cubas de que Virgília e Lobo Neves tinham regressado de São Paulo. Brás Cubas começa a freqüentar a casa deles e torna-se amante de Virgília. À mesma época, encontra, na rua, o Quincas Borba, seu colega de infância, que vivia como mendigo. Ajuda-o com cinco mil réis e este lhe rouba o relógio, ao despedir-se. Quando algumas pessoas começam a desconfiar do relacionamento de Brás Cubas e Virgília, estes montam uma casinha, no recanto de Gamboa, cuja caseira era D. Plácida, uma antiga agregada da casa de Virgília. Lobo Neves, marido de Virgília aguarda sua nomeação para presidente da província e convida Brás Cubas para ser seu secretário. Este reluta em aceitar. Virgília tem um filho, Nhonhô, do marido, mas Cubas sonha ter um filho com ela. Brás Cubas recebe uma carta de Quincas Borba que lhe devolve o relógio roubado e quer lhe expor sua teoria filosófica do Humanitismo, o princípio das coisas. Lobo Neves recebe denúncias da traição da mulher. E nomeado Presidente da Província e o casal parte, terminando aí o romance proibido entre Virgília e Brás Cubas. Quincas Borba visita Brás Cubas, conta-lhe da fortuna herdada de um tio de Barcelona, mas só se ocupa de sua doutrina filosófica, o humanitismo, uma paródia das teorias científicas no final do século XIX. Brás Cubas fica seduzido pela teoria do Humanitismo, identificando-se com sua explicação materialista da existência humana. Outros motivos que lhe compensaram a perda de Virgília foram a tentativa da irmã de casá-lo com Nha Loló e a ambição política. Aquela no entanto, morre, aos 19 anos de febre amarela. Brás Cubas torna-se deputado, atuando ao lado de Lobo Neves. Em 1855, Brás Cubas encontra Virgília, num baile. Ele a acha magnífica, mas nada mais ocorre entre eles. Ao chegar ao 50 anos, Brás Cubas perde o interesse pela vida, que é o amor. Quincas Borba o convence de que era a idade da ciência e do governo, mas Brás Cubas perde sua cadeira de deputado e, conseqüentemente, a paixão pelo poder. Sua única companhia é Quincas Borba, com quem filosofa sobre a vida e a existência humana através de observações da realidade, como uma luta de cães por um osso. Brás Cubas recebe um bilhete de Virgília que pede-lhe para socorrer D. Plácida, que está a morrer. Ele dá-lhe algum dinheiro e a interna na Misericórdia, onde falece. Resolve publicar um jornal, de oposição ao governo, que contraria Cotrin, seu cunhado. Pouco mais de seis meses depois, o jornal deixa de sair. Lobo Neves morre, na iminência de ser ministro. Brás Cubas vai-lhe ao enterro e vê que Virgília chorava “lágrimas verdadeiras”. Brás Cubas reconcilia-se com o cunhado Cotrin, ingressa na ordem, para dar alguma utilidade a sua vida, segundo ele, foi a fase mais brilhante de sua vida. No hospital da ordem, viu morrer a ex-namorada, a linda Marcela, agora feia, magra, decrépita; também encontrou, num cortiço, outra ex, Eugênia, a filha de D. Eusébia e do Vilaça, tão coxa como antes e mais triste. Quincas Borba, que havia partido para Barcelona, volta, mais louco ainda, morrendo pouco tempo depois. O último capítulo, Das negativas, finaliza a obra com o tom cético e realista que atravessa toda a obra: Brás Cubas não se torna famoso por seu emplasmo, não foi ministro, nem califa, nem se casou. Em compensação, não comprou o pão com o suor do rosto, pois nunca teve de trabalhar. Não morreu como D. Plácida, Marcela, Eugênia e tantos outros, nem se tornou louco como Quincas Borba. Ao morrer, chega ao outro lado, sentindo-se um pouco credor, pois não teve filhos e portanto, não transmitiu “a nenhuma criatura o legado de sua miséria”. Notas O autor, nesta obra, acabou com o sentimentalismo, o moralismo superficial, a fictícia unidade da pessoa humana, as frases piegas, o receio de chocar preconceitos, a concepção do domínio do amor sobre todas as outras paixões; afirmava-se a possibilidade de construir um grande livro sem recorrer à natureza, desdenhava-se a cor local, um autor colocava-se pela primeira vez dentro dos personagens. O humorismo começa pela dedicatória do narrador: “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes de meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas Memórias póstumas.” Em seguida, como que preparando o leitor para a revolução estética que o espera, Brás Cubas anuncia o espírito inusitado de sua obra: “Escrevia-a com a pena da galhofa e a tinta da melancolia”. A visão irônica dos acontecimentos e dos pensamentos do narrador mesclada a comentários amargos e cínicos sobre a existência produz uma concepção de mundo absolutamente singular que estrutura todas as obras de segunda fase de Machado de Assis. Além disso, Brás Cubas adverte que também o seu modo de narrar é inovador: “Trata-se, na verdade, de uma obra difusa”. O enredo de ações trepidantes, que vai num crescendo até o clímax, é completamente abandonado, cedendo lugar a episódios mais ou menos soltos, que se alicerçam em pormenores aparentemente banais, em considerações filosóficas abusadas e em tiradas humorísticas, tudo ilusoriamente desvinculado da história central. Brás Cubas usa um estilo de vaivém, interrompendo o fluxo da intriga para brincar com o leitor ou tecer algum comentário de fingida irrelevância. Quando, no entanto, o romance se fecha, os inúmeros episódios formam uma unidade, dando a este mesmo leitor a noção de um conjunto harmonioso e convincente. Aspecto importante nas Memórias é o gosto pela citação que o narrador exibe. A cultura de Brás Cubas é enciclopédica, passando por todo o conhecimento geral da época. Esta cultura, entretanto, é examinada sob o ângulo da paródia. Todas as citações e referências são extraídas de seu contexto específico e remetidas para o contexto pessoal do narrador, como se este debochasse da tradição histórica e religiosa, colocando o saber culto de seu tempo de cabeça para baixo. A escolha de um defunto autor para relatar a obra pode ser interpretada de vários ângulos. Alguns críticos vêem a morte de Brás Cubas como um símbolo do fim da concepção romântica que ainda se fazia presente nos romances de primeira fase de Machado de Assis. Outros sugerem um enfrentamento do escritor com as propostas do Realismo / Naturalismo, então em plena voga, já que uma fala vinda do túmulo contrariava os princípios de racionalidade e verossimilhança, obrigatórios aos autores daquela escola. Indiscutível, no entanto, é a idéia machadiana de que só um morto poderia apresentar os fatos de sua existência sem escrúpulos, sem fantasias e sem o temor da opinião pública. Só um morto – por não ter nada a perder – revelaria os seus intuitos mesquinhos, o seu egoísmo, a sua impotência para a vida prática e a sua desesperada sede de glória. Brás Cubas não é a tradução ficcional de Machado de Assis. Esta confusão entre o autor e seu personagem advém da narrativa ser feita em primeira pessoa. Contudo, Brás Cubas visivelmente representa uma classe social que não é a de Machado. O ângulo com que o narrador examina o mundo é o dos grandes proprietários: trata-se de alguém que não trabalha, que vive parasitamente, de alguém cheio de caprichos, enredado com a falta de perspectivas de sua existência. A própria técnica de narrar de Brás Cubas, misturando irreverência e desrespeito a tudo e a todos, corresponde à desfaçatez da classe dominante brasileira do século XIX. Assim, os erros e transgressões do personagem expressariam o arbítrio e a falta de significado ético de uma elite historicamente condenada à destruição. O procedimento básico de Brás Cubas em relação a sua vida é o do desmascaramento. Entre a norma social e a opinião pública, de um lado, e as intenções e desejos escusos do personagem, de outro lado, forma-se uma zona obscura que o narrador trata de esclarecer. Os “bons sentimentos são a máscara hipócrita” do egoísmo, do interesse e da luta pela glória. Instaura-se um terrível relativismo moral e emerge com freqüência certa noção da gratuidade e mesmo do caráter absurdo de certos gestos humanos. Episódio revelador desta dimensão inexplicável de alguns atos ocorre, por exemplo, no capítulo A borboleta preta. A borboleta invade o quarto de Brás Cubas e este, sem nenhuma razão plausível, a abate com uma toalha. Depois, ele tenta justificar a sua ação dando-lhe uma forma socialmente aceitável: “Também por que diabo não era ela azul?” Falsas racionalizações como esta são emitidas o tempo inteiro pelo narrador. Personagem de grande significação na obra é Quincas Borba, antigo colega de Brás Cubas. Convertido em mendigo cleptomaníaco e filósofo, Quincas Borba expõe com hilariante seriedade um sistema de idéias designado como Humanitismo. A teoria do Humanitas é uma caricatura feroz ao positivismo e ao cientificismo dominantes na época. Paradoxalmente, o ridículo discurso filosófico de Quincas Borba, próximo da insanidade, – cujo lema darwinista é “Ao vencedor as batatas” – parece expressar a própria concepção machadiana de mundo, centrada na luta selvagem do indivíduo para estabelecer algum tipo de supremacia sobre os demais. No capítulo O almocreve, Brás Cubas está sendo arrastado por um jumento, pois tinha sido jogado fora da sela ficara com o pé preso no estribo. Possivelmente morreria não fosse a corajosa intervenção de um almocreve (condutor de bestas de carga), que deteve o animal. A primeira intenção do narrador foi a de presentear o seu salvador com cinco moedas de ouro, depois pensou dar-lhe duas, uma moeda de ouro. Acabou metendo na mão do almocreve uma moeda de prata, mas ao afastar-se pensou com remorso que deveria ter-lhe dado apenas uns vinténs, racionalizando que o homem não tinha em mira nenhuma recompensa ao salvá-lo, cedendo apenas a um impulso natural. O mais célebre capítulo do livro, porém, é O delírio. Em estado de transe causado pela febre, Brás Cubas é arrebatado por um hipopótamo que o leva a origem dos séculos. Surge então uma mulher imensa de contornos indefinidos que diz-se chamar Natureza ou Pandora. Quando, por fim, Brás Cubas vê de perto o rosto da estranha, percebe-lhe a impassibilidade egoísta e sua eterna surdez, ou seja trata-se de algo ou alguém indiferente ao clamor humano. Ela conduz o defunto autor ao alto de uma montanha e lhe permite contemplar a passagem dos séculos e entender o absurdo da existência, sempre igual, centrada apenas no egoísmo e na luta pela conservação. O personagem vê a história como uma eterna repetição. *Memórias de um Sargento de Milícias" Resumo da obra de Manuel Antônio de Almeida 03/09/2012 21h 35 O romance de Manuel Antônio de Almeida, escrito no período do romantismo, retrata a vida do Rio de Janeiro no início do século XIX e desenvolve pela primeira vez na literatura nacional a figura do malandro. - Leia a análise Memórias de um Sargento de Milícias Resumo Por ser originariamente um folhetim, publicado semanalmente, o enredo necessitava prender a atenção do leitor, com capítulos curtos e até certo ponto independentes, em geral contendo um episódio completo. A trama, por isso, é complexa, formada de histórias que se sucedem e nem sempre se relacionam por causa e efeito. “Filho de uma pisadela e de um beliscão” (referência à maneira como seus pais flertaram, ao se conhecer no navio que os conduz de Portugal ao Brasil), o pequeno Leonardo é uma criança intratável, que parece prever as dificuldades que irá enfrentar. E não são poucas: abandonado pela mãe, que foge para Portugal com um capitão de navio, é igualmente abandonado pelo pai, mas encontra no padrinho seu protetor. Esse é dono de uma barbearia e tem guardada boa soma em dinheiro. Enquanto o pequeno Leonardo apronta as suas diabruras pela vizinhança, seu pai, Leonardo Pataca, se envolve amorosamente com a Cigana, mas essa o abandona logo. Ele, então, recorre à feitiçaria (proibida naquela época) para tentar trazê-la de volta. Porém, no auge da cerimônia o major Vidigal e seus homens invadem a casa do feiticeiro, açoitam os praticantes e levam Leonardo Pataca preso. Ele pede socorro à Comadre, que pede ajuda a um Tenente-Coronel que se considerava em dívida com a família de Pataca, e ele logo é solto. Já o Compadre (ou padrinho) que cuidava do menino Leonardo havia aprendido o ofício de barbeiro com o homem que o criara. Foi para a África como médico em um navio negreiro e, durante a volta, o capitão em seu leito de morte lhe confiou um baú de dinheiro para que o entregasse a sua filha. Ele, porém, ficou com o dinheiro. Após isso aparenta ter se tornado um homem de bem e cria o Leonardo como se fosse um filho, sonhando em torna-lo padre. O menino, porém, causa transtornos por qualquer lugar onde passa e, após levar uma enorme bronca do padre da cidade, jura vingança. O padre era um homem que aparentava ser santo, mas na realidade era um lascivo e fora ele quem roubara a Cigana de Leonardo Pataca. Como o padre passava boa parte de seu tempo na casa dela, um dia o menino Leonardo resolve armar uma emboscada para desmascará-lo. Ele vai até a casa da Cigana para informar o horário de uma festa, mas ele mente o horário para que o padre chegue atrasado. Quando por fim chegou à igreja, o padre repreende ao menino perguntando-lhe qual era a hora certa do sermão. Leonardo, então, diz que falou o horário correto e que a Cigana estava de prova, pois ouviu tudo. Sem saber o que fazer frente ao choque de todos, ele dispensa o menino. Leonardo Pataca, ao saber que havia sido trocado pelo padre, resolve tentar conquistar Cigana novamente. Ela, porém, não dá bola para ele. Para se vingar, ele contrata um amigo para causar uma confusão em uma festa que ela iria promover em sua casa. No momento da bagunça Vidigal, que já havia sido avisado por Pataca, aparece e prende o padre em flagrante, somente de cueca, meia, sapato e gorrinho na cabeça. Com isso, Leonardo Pataca consegue ficar mais um tempo com a Cigana. O Compadre passou a frequentar a casa de D. Maria, uma rica mulher com gosto pelo Direito, sempre acompanhado do afilhado Leonardo. Com o tempo o menino foi sossegando, até que chegou a idade dos amores. Luisinha, uma menina descrita como feia e que era filha do recém-falecido irmão de D. Maria, foi morar com a tia. No dia da festa do Espírito Santo foram todos ver a queima de fogos. A menina se divertiu, abraçou Leonardo pelas costas e no final os dois voltaram de mãos dadas. Após isso, porém, Luisinha voltou a ficar tímida. Um dia entra em cena José Manuel, homem mais velho que fica interessado em Lusinha por conta da herança que ela havia recebido do pai e que iria receber de D. Maria, já que ela era a única herdeira. O Compadre, percebendo os interesses de José Manuel, se junta à Comadre para tentar espantar o interesseiro. Enquanto isso, Leonardo tenta conquistar Luisinha, mas ele acaba saindo muito sem jeito e acaba espantando ela. Porém, fica claro que Luisinha também gosta de Leonardo. Para tentar afastar José Miguel, a Comadre inventa uma série de mentiras, que logo são descobertas. Então, D. Maria, ao invés de expulsar José, acaba se afastando da Comadre, agora desacreditada. Enquanto isso, novamente traído pela Cigana, Leonardo Pataca junta-se com a filha da Comadre e têm um filho juntos. Pouco depois o Comadre morre e Leonardo vai morar junto com o pai. Porém, ele e sua madrasta não conseguem se entender e, após muitas brigas, ele foge de casa. Afastado de todos, Leonardo conhece um grupo que estava fazendo piquenique e reconhece dentre eles um amigo seu de infância. Leonardo passa a morar junto com eles na Rua da Vala. Lá vivem duas quarentonas viúvas e seus seis filhos, sendo que uma tinha três rapazes e outra três moças. Vidinha era a mais bonita e era disputada por dois primos. Porém, ela acaba se enamorando com Leonardo e os dois passam o dia namorando dentro de casa, o que desperta ciúmes dos outros rapazes. Esses, por sua vez, vão falar para Vidigal que Leonardo está vivendo como intruso na casa e tirando proveito das mulheres. Num dia, Vidigal aparece e leva Leonardo preso, mas esse consegue fugir. A Comadre arruma um emprego para Leonardo na ucharia real, mas ele se envolve com a esposa do patrão e acaba despedido. Vidinha vai até a casa de Toma Largura, ex-patrão de Leonardo, para brigar com ele e com sua esposa. Enquanto isso, Vidigal consegue prender Leonardo. Acontece que Toma Largura ficou encantado com Vidinha e começa a cerca-la de todas as formas. A moça, encarando a ausência de Leonardo como consequência das últimas brigas, resolve ceder à insistência de Toma Largura. Obrigado pela polícia, Leonardo começa a servir ao exército. Depois de um tempo, Vidigal o coloca no batalhão de granadeiros para combater os malandros do Rio. Porém, ao contrário do que ele pensava, Leonardo continua aprontando dentro do próprio batalhão de polícia. Na última delas, Vidigal planejava prender um homem que fazia imitações suas para animar festas. Mas Leonardo acaba se divertindo com as graças do imitador e o avisa das intenções de Vidigal. Quando o major descobre a traição de Leonardo, prende o moço sob juramento de algumas chibatadas. A Comadre fica sabendo disso e vai pedir ajuda à D. Maria e à Maria Regalada, antiga amante de Vidigal. Elas vão até a casa do major, que as recebe com roupa civil da cintura para baixo e farda da cintura para cima. Não conseguindo resistir aos pedidos das três mulheres, Vidigal perdoa Leonardo e ainda promete promove-lo à sargento do exército. Enquanto tudo isso acontecia, Luisinha estava casada com José Manuel, que a tratava mal e só se preocupava com o dinheiro da moça. D. Maria resolve preparar uma ação judicial contra o homem, mas ele acaba morrendo vítima de um ataque apopléctico (parecido com um derrame). Após o enterro de José Manuel, preparam tudo para o casamento de Luisinha, agora uma mulher feita e bonita, com Leonardo, bonito e muito elegante em sua farda de sargento do exército. Algum tempo depois, D. Maria e Leonardo Pataca também morrem e, junto com as outras heranças que já tinham, receberam mais duas. Lista de personagens Leonardo: protagonista que garante unidade à narrativa. O sargento de milícias a que se refere o título da obra é Leonardo, embora o personagem obtenha esse cargo somente nas últimas páginas do livro. Leonardo Pataca: pai de Leonardo, um meirinho (oficial de Justiça) que fora vendedor de roupas em Lisboa e, durante sua viagem ao Brasil, conhece Maria das Hortaliças, o que resultará no nascimento de Leonardo. Maria das Hortaliças: mãe de Leonardo, uma saloia (camponesa) muito namoradeira, que abandona o filho para ficar com outro homem. O Compadre ou O Padrinho: é dono de uma barbearia e toma a guarda de Leonardo após os pais abandonarem a criança. Torna-se um segundo pai para ele. A Comadre ou A Madrinha: mulher gorda e bonachona, apresentada como ingênua, frequentadora assídua de missas e festas religiosas. Major Vidigal: homem alto, não muito gordo, com ares de moleirão. Apesar do aspecto pachorrento, era quem impunha a lei de modo enérgico e centralizado. Dona Maria: mulher idosa e muito gorda, não era bonita, mas tinha aspecto bem-cuidado. Era rica e devotada aos pobres. Tinha, contudo, o vício das demandas (disputas judiciais). Luisinha: sobrinha de dona Maria. Seu aspecto, inicialmente sem graça, se transforma gradualmente, até se tornar uma rapariga encantadora. Vidinha: mulata de 18 a 20 anos, muito bonita, que atrai as atenções de Leonardo. Sobre Manuel Antônio de Almeida Manuel Antônio de Almeida nasceu em 17 de novembro de 1830 na cidade do Rio de Janeiro. Enquanto fazia a Faculdade de Medicina começou a carreira de jornalista levado por dificuldades financeiras. Formou-se em 1855, mas nunca chegou a exercer a profissão de médico. Durante 1852 e 1853 publicou anonimamente (assinava como “um Brasileiro”) os folhetins que dariam origem ao livro Memórias de um Sargento de Milícias (1854-55). Na terceira edição, que saiu postumamente em 1863, o nome verdadeiro do autor passou a constar na obra. Ainda durante essa mesma época, publicou uma peça, alguns poemas, um libreto de ópera e escreveu sua tese de Doutorado em Medicina. Em 1858 foi nomeado Administrador da Tipografia Nacional, onde conheceu Machado de Assis. Em 1859 é nomeado 2º Oficial da Secretaria da Fazenda e, no dia 28 de novembro de 1861, acaba falecendo no naufrágio do navio Hermes. Seu único livro é "Memórias de um Sargento de Milícias" (1852), mas publicou também diversos contos, crônicas, poesias e ensaios. Além disso, escreveu uma peça teatral chamada "Dois Amores" (1961).

SARAU

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre. Ir para: navegação, pesquisa Nota: Se procura o programa de televisão, veja Sarau (programa de televisão). Um sarau (do latim seranus, através do galego serao) é um evento cultural ou musical realizado geralmente em casa particular onde as pessoas se encontram para se expressarem ou se manifestarem artisticamente. Um sarau pode envolver dança, poesia, leitura de livros, música acústica e também outras formas de arte como pintura,teatro e comidas típicas. Evento bastante comum no século XIX, que vem sendo redescoberto por seu caráter de inovação, descontração e satisfação. Consiste em uma reunião festiva que ocorre à tarde ou no início da noite, apresentando concertos musicais, serestas, cantos e apresentações solo, demonstrações, interpretações ou performances artísticas e literárias. Em muitas escolas está sendo relizado o sarau. Referências1.↑ sarau. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Página visitada em 22 de março de 2012.

terça-feira, 21 de maio de 2013

CRÔNICAS

Arnaldo Jabor: Crônica do Amor Ninguém ama outra pessoa...

Crônica do Amor

Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo a porta.

O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar.

Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referenciais.

Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca.

Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera.

Você ama aquela petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou a seco.

Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta de praia e ela tem alergia a sol, você abomina Natal e ela detesta o Ano Novo, nem no
ódio vocês combinam. Então?

Então, que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome.

Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio galinha. Ele não tem a
menor vocação para príncipe encantado e ainda assim você não consegue despachá-lo.

Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga. Ele toca gaita na boca, adora animais e escreve poemas. Por que você ama
este cara?

Não pergunte pra mim; você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem seu valor.

É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de viajar, de música, tem loucura
por computador e seu fettucine ao pesto é imbatível.

Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desse, criatura, por que está sem um amor?

Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados.

Não funciona assim.

Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o Amor tem de indefinível.

Honestos existem aos milhares, generosos têm às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó!

Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é! Pense nisso. Pedir é a maneira mais eficaz de merecer. É a contingência maior de quem precisa.
 
 
MUITO CUIDADO!!!       CLARA BRAGA
 
Para a alegria de muitos e revolta de outros tantos, CNJ aprova o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Para mim, o Brasil deu um grande passo positivo. Reconheceu que não pode ser contra a felicidade das pessoas. Mas muito cuidado, muito cuidado mesmo, com o que vocês forem ler daqui para frente. Principalmente aqueles que não estão muito a favor do que foi decidido.

         Ninguém vai ser obrigado a casar com pessoas do mesmo sexo! Atenção!!! Você, que quer continuar casado ou quer casar com pessoas do sexo oposto, você ainda é livre para fazer isso! Se você não quiser ir ao casamento de pessoas do mesmo sexo, você também não precisa, pode ficar em casa, assistindo televisão e ninguém baterá na sua porta te questionando o porquê de você não ter ido. Ah, melhor do que isso, ninguém vai te bater na rua, brigar com você, te ameaçar de morte, te olhar torto ou te fazer nenhum mal por você manter o seu casamento heterossexual.

          Pode parecer absurdo eu estar dizendo essas coisas, mas tenho certeza que não vai demorar muito para surgirem comentários “esquisitos” sobre essa decisão do CNJ. Esquisitos para não dizer absurdos... a criatividade do ser humano é algo que me assusta. Então, é por isso que volto a dizer, é mais simples do que qualquer pessoa possa imaginar. Pessoas do mesmo sexo, agora vão poder casar no civil! E as pessoas do sexo oposto? Também!!! Ou seja, o que mudou para os casais homoafetivos? Antes não podiam casar no civil, agora podem! O que mudou para os casais heteros? Cuidado, a resposta pode ser assustadora: NADA! Pasmem!!!

terça-feira, 30 de abril de 2013

CONTOS DIVERSOS - MACHADO DE ASSIS

A Cartomante
Machado de Assis

Hamlet observa a Horácio que há mais cousas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia. Era a mesma explicação que dava a bela Rita ao moço Camilo, numa sexta-feira de Novembro de 1869, quando este ria dela, por ter ido na véspera consultar uma cartomante; a diferença é que o fazia por outras palavras.
— Ria, ria. Os homens são assim; não acreditam em nada. Pois saiba que fui, e que ela adivinhou o motivo da consulta, antes mesmo que eu lhe dissesse o que era. Apenas começou a botar as cartas, disse-me: "A senhora gosta de uma pessoa..." Confessei que sim, e então ela continuou a botar as cartas, combinou-as, e no fim declarou-me que eu tinha medo de que você me esquecesse, mas que não era verdade...
— Errou! Interrompeu Camilo, rindo.
— Não diga isso, Camilo. Se você soubesse como eu tenho andado, por sua causa. Você sabe; já lhe disse. Não ria de mim, não ria...
Camilo pegou-lhe nas mãos, e olhou para ela sério e fixo. Jurou que lhe queria muito, que os seus sustos pareciam de criança; em todo o caso, quando tivesse algum receio, a melhor cartomante era ele mesmo. Depois, repreendeu-a; disse-lhe que era imprudente andar por essas casas. Vilela podia sabê-lo, e depois...
— Qual saber! tive muita cautela, ao entrar na casa.
— Onde é a casa?
— Aqui perto, na rua da Guarda Velha; não passava ninguém nessa ocasião. Descansa; eu não sou maluca.
Camilo riu outra vez:
— Tu crês deveras nessas coisas? perguntou-lhe.
Foi então que ela, sem saber que traduzia Hamlet em vulgar, disse-lhe que havia muito cousa misteriosa e verdadeira neste mundo. Se ele não acreditava, paciência; mas o certo é que a cartomante adivinhara tudo. Que mais? A prova é que ela agora estava tranqüila e satisfeita.
Cuido que ele ia falar, mas reprimiu-se, Não queria arrancar-lhe as ilusões. Também ele, em criança, e ainda depois, foi supersticioso, teve um arsenal inteiro de crendices, que a mãe lhe incutiu e que aos vinte anos desapareceram. No dia em que deixou cair toda essa vegetação parasita, e ficou só o tronco da religião, ele, como tivesse recebido da mãe ambos os ensinos, envolveu-os na mesma dúvida, e logo depois em uma só negação total. Camilo não acreditava em nada. Por quê? Não poderia dizê-lo, não possuía um só argumento; limitava-se a negar tudo. E digo mal, porque negar é ainda afirmar, e ele não formulava a incredulidade; diante do mistério, contentou-se em levantar os ombros, e foi andando.
Separaram-se contentes, ele ainda mais que ela. Rita estava certa de ser amada; Camilo, não só o estava, mas via-a estremecer e arriscar-se por ele, correr às cartomantes, e, por mais que a repreendesse, não podia deixar de sentir-se lisonjeado. A casa do encontro era na antiga rua dos Barbonos, onde morava uma comprovinciana de Rita. Esta desceu pela rua das Mangueiras, na direção de Botafogo, onde residia; Camilo desceu pela da Guarda velha, olhando de passagem para a casa da cartomante.
Vilela, Camilo e Rita, três nomes, uma aventura, e nenhuma explicação das origens. Vamos a ela. Os dois primeiros eram amigos de infância. Vilela seguiu a carreira de magistrado. Camilo entrou no funcionalismo, contra a vontade do pai, que queria vê-lo médico; mas o pai morreu, e Camilo preferiu não ser nada, até que a mãe lhe arranjou um emprego público. No princípio de 1869, voltou Vilela da província, onde casara com uma dama formosa e tonta; abandonou a magistratura e veio abrir banca de advogado. Camilo arranjou-lhe casa para os lados de Botafogo, e foi a bordo recebê-lo.
— É o senhor? exclamou Rita, estendendo-lhe a mão. Não imagina como meu marido é seu amigo; falava sempre do senhor.
Camilo e Vilela olharam-se com ternura. Eram amigos deveras. Depois, Camilo confessou de si para si que a mulher do Vilela não desmentia as cartas do marido. Realmente, era graciosa e viva nos gestos, olhos cálidos, boca fina e interrogativa. Era um pouco mais velha que ambos: contava trinta anos, Vilela vinte e nove e Camilo vente e seis. Entretanto, o porte grave de Vilela fazia-o parecer mais velho que a mulher, enquanto Camilo era um ingênuo na vida moral e prática. Faltava-lhe tanto a ação do tempo, como os óculos de cristal, que a natureza põe no berço de alguns para adiantar os anos. Nem experiência, nem intuição.
Uniram-se os três. Convivência trouxe intimidade. Pouco depois morreu a mãe de Camilo, e nesse desastre, que o foi, os dois mostraram-se grandes amigos dele. Vilela cuidou do enterro, dos sufrágios e do inventário; Rita tratou especialmente do coração, e ninguém o faria melhor.
Como daí chegaram ao amor, não o soube ele nunca. A verdade é que gostava de passar as horas ao lado dela; era a sua enfermeira moral, quase uma irmã, mas principalmente era mulher e bonita. Odor di femina: eis o que ele aspirava nela, e em volta dela, para incorporá-lo em si próprio. Liam os mesmos livros, iam juntos a teatros e passeios. Camilo ensinou-lhe as damas e o xadrez e jogavam às noites; — ela mal, — ele, para lhe ser agradável, pouco menos mal. Até aí as cousas. Agora a ação da pessoa, os olhos teimosos de Rita, que procuravam muita vez os dele, que os consultavam antes de o fazer ao marido, as mãos frias, as atitudes insólitas. Um dia, fazendo ele anos, recebeu de Vilela uma rica bengala de presente, e de Rita apenas um cartão com um vulgar cumprimento a lápis, e foi então que ele pôde ler no próprio coração; não conseguia arrancar os olhos do bilhetinho. Palavras vulgares; mas há vulgaridades sublimes, ou, pelo menos, deleitosas. A velha caleça de praça, em que pela primeira vez passeaste com a mulher amada, fechadinhos ambos, vale o carro de Apolo. Assim é o homem, assim são as cousas que o cercam.
Camilo quis sinceramente fugir, mas já não pôde. Rita como uma serpente, foi-se acercando dele, envolveu-o todo, fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe o veneno na boca. Ele ficou atordoado e subjugado. Vexame, sustos, remorsos, desejos, tudo sentiu de mistura; mas a batalha foi curta e a vitória delirante. Adeus, escrúpulos! Não tardou que o sapato se acomodasse ao pé, e aí foram ambos, estrada fora, braços dados, pisando folgadamente por cima de ervas e pedregulhos, sem padecer nada mais que algumas saudades, quando estavam ausentes um do outro. A confiança e estima de Vilela continuavam a ser as mesmas.
Um dia, porém, recebeu Camilo uma carta anônima, que lhe chamava imoral e pérfido, e dizia que a aventura era sabida de todos. Camilo teve medo, e, para desviar as suspeitas, começou a rarear as visitas à casa de Vilela. Este notou-lhe as ausências. Camilo respondeu que o motivo era uma paixão frívola de rapaz. Candura gerou astúcia. As ausências prolongaram-se, e as visitas cessaram inteiramente. Pode ser que entrasse também nisso um pouco de amor-próprio, uma intenção de diminuir os obséquios do marido, para tornar menos dura a aleivosia do ato.
Foi por esse tempo que Rita, desconfiada e medrosa, correu à cartomante para consultá-la sobre a verdadeira causa do procedimento de Camilo. Vimos que a cartomante restituiu-lhe a confiança, e que o rapaz repreendeu-a por ter feito o que fez. Correram ainda algumas semanas. Camilo recebeu mais duas ou três cartas anônimas, tão apaixonadas, que não podiam ser advertência da virtude, mas despeito de algum pretendente; tal foi a opinião de Rita, que, por outras palavras mal compostas, formulou este pensamento: — a virtude é preguiçosa e avara, não gasta tempo nem papel; só o interesse é ativo e pródigo.
Nem por isso Camilo ficou mais sossegado; temia que o anônimo fosse ter com Vilela, e a catástrofe viria então sem remédio. Rita concordou que era possível.
— Bem, disse ela; eu levo os sobrescritos para comparar a letra com a das cartas que lá aparecerem; se alguma for igual, guardo-a e rasgo-a...
Nenhuma apareceu; mas daí a algum tempo Vilela começou a mostrar-se sombrio, falando pouco, como desconfiado. Rita deu-se pressa em dizê-lo ao outro, e sobre isso deliberaram. A opinião dela é que Camilo devia tornar à casa deles, tatear o marido, e pode ser até que lhe ouvisse a confidência de algum negócio particular. Camilo divergia; aparecer depois de tantos meses era confirmar a suspeita ou denúncia. Mais valia acautelarem-se, sacrificando-se por algumas semanas. Combinaram os meios de se corresponderem, em caso de necessidade, e separaram-se com lágrimas.
No dia seguinte, estando na repartição, recebeu Camilo este bilhete de Vilela: "Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora." Era mais de meio-dia. Camilo saiu logo; na rua, advertiu que teria sido mais natural chamá-lo ao escritório; por que em casa? Tudo indicava matéria especial, e a letra, fosse realidade ou ilusão, afigurou-se-lhe trêmula. Ele combinou todas essas cousas com a notícia da véspera.
— Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora, — repetia ele com os olhos no papel.
Imaginariamente, viu a ponta da orelha de um drama, Rita subjugada e lacrimosa, Vilela indignado, pegando na pena e escrevendo o bilhete, certo de que ele acudiria, e esperando-o para matá-lo. Camilo estremeceu, tinha medo: depois sorriu amarelo, e em todo caso repugnava-lhe a idéia de recuar, e foi andando. De caminho, lembrou-se de ir a casa; podia achar algum recado de Rita, que lhe explicasse tudo. Não achou nada, nem ninguém. Voltou à rua, e a idéia de estarem descobertos parecia-lhe cada vez mais verossímil; era natural uma denúncia anônima, até da própria pessoa que o ameaçara antes; podia ser que Vilela conhecesse agora tudo. A mesma suspensão das suas visitas, sem motivo aparente, apenas com um pretexto fútil, viria confirmar o resto.
Camilo ia andando inquieto e nervoso. Não relia o bilhete, mas as palavras estavam decoradas, diante dos olhos, fixas; ou então, — o que era ainda peior, — eram-lhe murmuradas ao ouvido, com a própria voz de Vilela. "Vem já, já à nossa casa; preciso falar-te sem demora." Ditas, assim, pela voz do outro, tinham um tom de mistério e ameaça. Vem, já, já, para quê? Era perto de uma hora da tarde. A comoção crescia de minuto a minuto. Tanto imaginou o que se iria passar, que chegou a crê-lo e vê-lo. Positivamente, tinha medo. Entrou a cogitar em ir armado, considerando que, se nada houvesse, nada perdia, e a precaução era útil. Logo depois rejeitava a idéa, vexado de si mesmo, e seguia, picando o passo, na direção do largo da Carioca, para entrar num tílburi. Chegou, entrou e mandou seguir a trote largo.
— Quanto antes, melhor, pensou ele; não posso estar assim...
Mas o mesmo trote do cavalo veio agravar-lhe a comoção. O tempo voava, e ele não tardaria a entestar com o perigo. Quase no fim da rua da Guarda Velha, o tílburi teve de parar; a rua estava atravancada com uma carroça, que caíra. Camilo, em si mesmo, estimou o obstáculo, e esperou. No fim de cinco minutos, reparou que ao lado, à esquerda, ao pé do tílburi, ficava a casa da cartomante, a quem Rita consultara uma vez, e nunca ele desejou tanto crer na lição das cartas. Olhou, viu as janelas fechadas, quando todas as outras estavam abertas e pejadas de curiosos do incidente da rua. Dir-se-ia a morada do indiferente Destino.
Camilo reclinou-se no tílburi, para não ver nada. A agitação dele era grande, extraordinária, e do fundo das camadas morais emergiam alguns fantasmas de outro tempo, as velhas crenças, as superstições antigas. O cocheiro propôs-lhe voltar a primeira travessa, e ir por outro caminho; ele respondeu que não, que esperasse. E inclinava-se para fitar a casa... Depois fez um gesto incrédulo: era a idéia de ouvir a cartomante, que lhe passava ao longe, muito longe, com vastas asas cinzentas; desapareceu, reapareceu, e tornou a esvair-se no cérebro; mas daí a pouco moveu outra vez as asas, mais perto, fazendo uns giros concêntricos... Na rua, gritavam os homens, safando a carroça:
— Anda! agora! empurra! vá! vá!
Daí a pouco estaria removido o obstáculo. Camilo fechava os olhos, pensava em outras cousas; mas a voz do marido sussurrava-lhe às orelhas as palavras da carta: "Vem já, já..." E ele via as contorções do drama e tremia. A casa olhava para ele. As pernas queriam descer e entrar... Camilo achou-se diante de um longo véu opaco... pensou rapidamente no inexplicável de tantas cousas. A voz da mãe repetia-lhe uma porção de casos extraordinários; e a mesma frase do príncipe de Dinamarca reboava-lhe dentro: "Há mais cousas no céu e na terra do que sonha a filosofia..." Que perdia ele, se...?
Deu por si na calçada, ao pé da porta; disse ao cocheiro que esperasse, e rápido enfiou pelo corredor, e subiu a escada. A luz era pouca, os degraus comidos dos pés, o corrimão pegajoso; mas ele não viu nem sentiu nada. Trepou e bateu. Não aparecendo ninguém, teve idéia de descer; mas era tarde, a curiosidade fustigava-lhe o sangue, as fontes latejavam-lhe; ele tornou a bater uma, duas, três pancadas. Veio uma mulher; era a cartomante. Camilo disse que ia consultá-la, ela fê-lo entrar. Dali subiram ao sótão, por uma escada ainda pior que a primeira e mais escura. Em cima, havia uma salinha, mal alumiada por uma janela, que dava para os telhados do fundo. Velhos trastes, paredes sombrias, um ar de pobreza, que antes aumentava do que destruía o prestígio.
A cartomante fê-lo sentar diante da mesa, e sentou-se do lado oposto, com as costas para a janela, de maneira que a pouca luz de fora batia em cheio no rosto de Camilo. Abriu uma gaveta e tirou um baralho de cartas compridas e enxovalhadas. Enquanto as baralhava, rapidamente, olhava para ele, não de rosto, mas por baixo dos olhos. Era uma mulher de quarenta anos, italiana, morena e magra, com grandes olhos sonsos e agudos. Voltou três cartas sobre a mesa, e disse-lhe:
— Vejamos primeiro o que é que o traz aqui. O senhor tem um grande susto...
Camilo, maravilhado, fez um gesto afirmativo.
— E quer saber, continuou ela, se lhe acontecerá alguma coisa ou não...
— A mim e a ela, explicou vivamente ele.
A cartomante não sorriu; disse-lhe só que esperasse. Rápido pegou outra vez as cartas e baralhou-as, com os longos dedos finos, de unhas descuradas; baralhou-as bem, transpôs os maços, uma, duas, três vezes; depois começou a estendê-las. Camilo tinha os olhos nela, curioso e ansioso.
— As cartas dizem-me...
Camilo inclinou-se para beber uma a uma as palavras. Então ela declarou-lhe que não tivesse medo de nada. Nada aconteceria nem a um nem a outro; ele, o terceiro, ignorava tudo. Não obstante, era indispensável mais cautela; ferviam invejas e despeitos. Falou-lhe do amor que os ligava, da beleza de Rita... Camilo estava deslumbrado. A cartomante acabou, recolheu as cartas e fechou-as na gaveta.
— A senhora restituiu-me a paz ao espírito, disse ele estendendo a mão por cima da mesa e apertando a da cartomante.
Esta levantou-se, rindo.
— Vá, disse ela; vá, ragazzo innamorato...
E de pé, com o dedo indicador, tocou-lhe na testa. Camilo estremeceu, como se fosse mão da própria sibila, e levantou-se também. A cartomante foi à cômoda, sobre a qual estava um prato com passas, tirou um cacho destas, começou a despencá-las e comê-las, mostrando duas fileiras de dentes que desmentiam as unhas. Nessa mesma ação comum, a mulher tinha um ar particular. Camilo, ansioso por sair, não sabia como pagasse; ignorava o preço.
— Passas custam dinheiro, disse ele afinal, tirando a carteira. Quantas quer mandar buscar?
— Pergunte ao seu coração, respondeu ela.
Camilo tirou uma nota de dez mil-réis, e deu-lha. Os olhos da cartomante fuzilaram. O preço usual era dois mil-réis.
— Vejo bem que o senhor gosta muito dela... E faz bem; ela gosta muito do senhor. Vá, vá tranqüilo. Olhe a escada, é escura; ponha o chapéu...
A cartomante tinha já guardado a nota na algibeira, e descia com ele, falando, com um leve sotaque. Camilo despediu-se dela embaixo, e desceu a escada que levava à rua, enquanto a cartomante alegre com a paga, tornava acima, cantarolando uma barcarola. Camilo achou o tílburi esperando; a rua estava livre. Entrou e seguiu a trote largo.
Tudo lhe parecia agora melhor, as outras cousas traziam outro aspecto, o céu estava límpido e as caras joviais. Chegou a rir dos seus receios, que chamou pueris; recordou os termos da carta de Vilela e reconheceu que eram íntimos e familiares. Onde é que ele lhe descobrira a ameaça? Advertiu também que eram urgentes, e que fizera mal em demorar-se tanto; podia ser algum negócio grave e gravíssimo.
— Vamos, vamos depressa, repetia ele ao cocheiro.
E consigo, para explicar a demora ao amigo, engenhou qualquer cousa; parece que formou também o plano de aproveitar o incidente para tornar à antiga assiduidade... De volta com os planos, reboavam-lhe na alma as palavras da cartomante. Em verdade, ela adivinhara o objeto da consulta, o estado dele, a existência de um terceiro; por que não adivinharia o resto? O presente que se ignora vale o futuro. Era assim, lentas e contínuas, que as velhas crenças do rapaz iam tornando ao de cima, e o mistério empolgava-o com as unhas de ferro. Às vezes queria rir, e ria de si mesmo, algo vexado; mas a mulher, as cartas, as palavras secas e afirmativas, a exortação: — Vá, vá, ragazzo innamorato; e no fim, ao longe, a barcarola da despedida, lenta e graciosa, tais eram os elementos recentes, que formavam, com os antigos, uma fé nova e vivaz.
A verdade é que o coração ia alegre e impaciente, pensando nas horas felizes de outrora e nas que haviam de vir. Ao passar pela Glória, Camilo olhou para o mar, estendeu os olhos para fora, até onde a água e o céu dão um abraço infinito, e teve assim uma sensação do futuro, longo, longo, interminável.
Daí a pouco chegou à casa de Vilela. Apeou-se, empurrou a porta de ferro do jardim e entrou. A casa estava silenciosa. Subiu os seis degraus de pedra, e mal teve tempo de bater, a porta abriu-se, e apareceu-lhe Vilela.
— Desculpa, não pude vir mais cedo; que há?
Vilela não lhe respondeu; tinha as feições decompostas; fez-lhe sinal, e foram para uma saleta interior. Entrando, Camilo não pôde sufocar um grito de terror: — ao fundo sobre o canapé, estava Rita morta e ensangüentada. Vilela pegou-o pela gola, e, com dois tiros de revólver, estirou-o morto no chão.

Este conto foi publicado originalmente na
Gazeta de Notícias - Rio de Janeiro, em 1884. Posteriormente foi incluído no livro "Várias Histórias" e em "Contos: Uma Antologia", Companhia das Letras - São Paulo, 1998, de onde foi extraído. Com esta publicação homenageamos Machado de Assis que, no dia 21 deste, estaria completando seu 172° aniversário.





Machado de Assis

MISSA DO GALO

Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela trinta. Era noite de Natal. Havendo ajustado com um vizinho irmos à missa do galo, preferi não dormir; combinei que eu iria acordá-lo à meia-noite.
A casa em que eu estava hospedado era a do escrivão Meneses, que fora casado, em primeiras núpcias, com uma de minhas primas. A segunda mulher, Conceição, e a mãe desta acolheram-me bem, quando vim de Mangaratiba para o Rio de Janeiro, meses antes, a estudar preparatórios. Vivia tranqüilo, naquela casa assobradada da rua do Senado, com os meus livros, poucas relações, alguns passeios. A família era pequena, o escrivão, a mulher, a sogra e duas escravas. Costumes velhos. Às dez horas da noite toda a gente estava nos quartos; às dez e meia a casa dormia. Nunca tinha ido ao teatro, e mais de uma vez, ouvindo dizer ao Meneses que ia ao teatro, pedi-lhe que me levasse consigo. Nessas ocasiões, a sogra fazia uma careta, e as escravas riam à socapa; ele não respondia, vestia-se, saía e só tornava na manhã seguinte. Mais tarde é que eu soube que o teatro era um eufemismo em ação. Meneses trazia amores com uma senhora, separada do marido, e dormia fora de casa uma vez por semana. Conceição padecera, a princípio, com a existência da comborça; mas, afinal, resignara-se, acostumara-se, e acabou achando que era muito direito.
Boa Conceição! Chamavam-lhe "a santa", e fazia jus ao título, tão facilmente suportava os esquecimentos do marido. Em verdade, era um temperamento moderado, sem extremos, nem grandes lágrimas, nem grandes risos. No capítulo de que trato, dava para maometana; aceitaria um harém, com as aparências salvas. Deus me perdoe, se a julgo mal. Tudo nela era atenuado e passivo. O próprio rosto era mediano, nem bonito nem feio. Era o que chamamos uma pessoa simpática. Não dizia mal de ninguém, perdoava tudo. Não sabia odiar; pode ser até que não soubesse amar.
Naquela noite de Natal foi o escrivão ao teatro. Era pelos anos de 1861 ou 1862. Eu já devia estar em Mangaratiba, em férias; mas fiquei até o Natal para ver "a missa do galo na Corte". A família recolheu-se à hora do costume; eu meti-me na sala da frente, vestido e pronto. Dali passaria ao corredor da entrada e sairia sem acordar ninguém. Tinha três chaves a porta; uma estava com o escrivão, eu levaria outra, a terceira ficava em casa.
- Mas, Sr. Nogueira, que fará você todo esse tempo? perguntou-me a mãe de Conceição.
- Leio, D. Inácia.
Tinha comigo um romance, os Três Mosqueteiros, velha tradução creio do Jornal do Comércio. Sentei-me à mesa que havia no centro da sala, e à luz de um candeeiro de querosene, enquanto a casa dormia, trepei ainda uma vez ao cavalo magro de D’Artagnan e fui-me às aventuras. Dentro em pouco estava completamente ébrio de Dumas. Os minutos voavam, ao contrário do que costumam fazer, quando são de espera; ouvi bater onze horas, mas quase sem dar por elas, um acaso. Entretanto, um pequeno rumor que ouvi dentro veio acordar-me da leitura. Eram uns passos no corredor que ia da sala de visitas à de jantar; levantei a cabeça; logo depois vi assomar à porta da sala o vulto de Conceição.
- Ainda não foi? Perguntou ela.
- Não fui; parece que ainda não é meia-noite.
- Que paciência!
Conceição entrou na sala, arrastando as chinelinhas da a1cova. Vestia um roupão branco, mal apanhado na cintura. Sendo magra, tinha um ar de visão romântica, não disparatada com o meu livro de aventuras. Fechei o livro; ela foi sentar-se na cadeira que ficava defronte de mim, perto do canapé. Como eu lhe perguntasse se a havia acordado, sem querer, fazendo barulho, respondeu com presteza:
- Não! qual! Acordei por acordar.
Fitei-a um pouco e duvidei da afirmativa. Os olhos não eram de pessoa que acabasse de dormir; pareciam não ter ainda pegado no sono. Essa observação, porém, que valeria alguma coisa em outro espírito, depressa a botei fora, sem advertir que talvez não dormisse justamente por minha causa, e mentisse para me não afligir ou aborrecer. Já disse que ela era boa, muito boa.
- Mas a hora já há de estar próxima, disse eu.
- Que paciência a sua de esperar acordado, enquanto o vizinho dorme! E esperar sozinho! Não tem medo de almas do outro mundo? Eu cuidei que se assustasse quando me viu.
- Quando ouvi os passos estranhei; mas a senhora apareceu logo.
- Que é que estava lendo? Não diga, já sei, é o romance dos Mosqueteiros.
- Justamente: é muito bonito.
- Gosta de romances?
- Gosto.
- Já leu a Moreninha?
- Do Dr. Macedo? Tenho lá em Mangaratiba.
- Eu gosto muito de romances, mas leio pouco, por falta de tempo. Que romances é que você tem lido?
Comecei a dizer-lhe os nomes de alguns. Conceição ouvia-me com a cabeça reclinada no espaldar, enfiando os olhos por entre as pálpebras meio-cerradas, sem os tirar de mim. De vez em quando passava a língua pelos beiços, para umedecê-los. Quando acabei de falar, não me disse nada; ficamos assim alguns segundos. Em seguida, vi-a endireitar a cabeça, cruzar os dedos e sobre eles pousar o queixo, tendo os cotovelos nos braços da cadeira, tudo sem desviar de mim os grandes olhos espertos.
- Talvez esteja aborrecida, pensei eu.
E logo alto:
- D. Conceição, creio que vão sendo horas, e eu...
- Não, não, ainda é cedo. Vi agora mesmo o relógio; são onze e meia. Tem tempo. Você, perdendo a noite, é capaz de não dormir de dia?
- Já tenho feito isso.
- Eu, não; perdendo uma noite, no outro dia estou que não posso, e, meia hora que seja, hei de passar pelo sono. Mas também estou ficando velha.
- Que velha o quê, D. Conceição?
Tal foi o calor da minha palavra que a fez sorrir. De costume tinha os gestos demorados e as atitudes tranqüilas; agora, porém, ergueu-se rapidamente, passou para o outro lado da sala e deu alguns passos, entre a janela da rua e a porta do gabinete do marido. Assim, com o desalinho honesto que trazia, dava-me uma impressão singular. Magra embora, tinha não sei que balanço no andar, como quem lhe custa levar o corpo; essa feição nunca me pareceu tão distinta como naquela noite. Parava algumas vezes, examinando um trecho de cortina ou consertando a posição de algum objeto no aparador; afinal deteve-se, ante mim, com a mesa de permeio. Estreito era o círculo das suas idéias; tornou ao espanto de me ver esperar acordado; eu repeti-lhe o que ela sabia, isto é, que nunca ouvira missa do galo na Corte, e não queria perdê-la.
- É a mesma missa da roça; todas as missas se parecem.
- Acredito; mas aqui há de haver mais luxo e mais gente também. Olhe, a semana santa na Corte é mais bonita que na roça. São João não digo, nem Santo Antônio...
Pouco a pouco, tinha-se inclinado; fincara os cotovelos no mármore da mesa e metera o rosto entre as mãos espalmadas. Não estando abotoadas, as mangas, caíram naturalmente, e eu vi-lhe metade dos braços, muitos claros, e menos magros do que se poderiam supor. A vista não era nova para mim, posto também não fosse comum; naquele momento, porém, a impressão que tive foi grande. As veias eram tão azuis, que apesar da pouca claridade, podia contá-las do meu lugar. A presença de Conceição espertara-me ainda mais que o livro. Continuei a dizer o que pensava das festas da roça e da cidade, e de outras coisas que me iam vindo à boca. Falava emendando os assuntos, sem saber por quê, variando deles ou tornando aos primeiros, e rindo para fazê-la sorrir e ver-lhe os dentes que luziam de brancos, todos iguaizinhos. Os olhos dela não eram bem negros, mas escuros; o nariz, seco e longo, um tantinho curvo, dava-lhe ao rosto um ar interrogativo. Quando eu alteava um pouco a voz, ela reprimia-me:
- Mais baixo! Mamãe pode acordar.
E não saía daquela posição, que me enchia de gosto, tão perto ficavam as nossas caras. Realmente, não era preciso falar alto para ser ouvido; cochichávamos os dois, eu mais que ela, porque falava mais; ela, às vezes, ficava séria, muito séria, com a testa um pouco franzida. Afinal, cansou; trocou de atitude e de lugar. Deu volta à mesa e veio sentar-se do meu lado, no canapé. Voltei-me, e pude ver, a furto, o bico das chinelas; mas foi só o tempo que ela gastou em sentar-se, o roupão era comprido e cobriu-as logo. Recordo-me que eram pretas. Conceição disse baixinho:
- Mamãe está longe, mas tem o sono muito leve; se acordasse agora, coitada, tão cedo não pegava no sono.
- Eu também sou assim.
- O quê? Perguntou ela inclinando o corpo para ouvir melhor.
Fui sentar-me na cadeira que ficava ao lado do canapé e repeti a palavra. Riu-se da coincidência; também ela tinha o sono leve; éramos três sonos leves.
- Há ocasiões em que sou como mamãe: acordando, custa-me dormir outra vez, rolo na cama, à toa, levanto-me, acendo vela, passeio, torno a deitar-me, e nada.
- Foi o que lhe aconteceu hoje.
- Não, não, atalhou ela.
Não entendi a negativa; ela pode ser que também não a entendesse. Pegou das pontas do cinto e bateu com elas sobre os joelhos, isto é, o joelho direito, porque acabava de cruzar as pernas. Depois referiu uma história de sonhos, e afirmou-me que só tivera um pesadelo, em criança. Quis saber se eu os tinha. A conversa reatou-se assim lentamente, longamente, sem que eu desse pela hora nem pela missa. Quando eu acabava uma narração ou uma explicação, ela inventava outra pergunta ou outra matéria, e eu pegava novamente na palavra. De quando em quando, reprimia-me:
- Mais baixo, mais baixo...
Havia também umas pausas. Duas outras vezes, pareceu-me que a via dormir; mas os olhos, cerrados por um instante, abriam-se logo sem sono nem fadiga, como se ela os houvesse fechado para ver melhor. Uma dessas vezes creio que deu por mim embebido na sua pessoa, e lembra-me que os tornou a fechar, não sei se apressada ou vagarosamente. Há impressões dessa noite, que me aparecem truncadas ou confusas. Contradigo-me, atrapalho-me. Uma das que ainda tenho frescas é que, em certa ocasião, ela, que era apenas simpática, ficou linda, ficou lindíssima. Estava de pé, os braços cruzados; eu, em respeito a ela, quis levantar-me; não consentiu, pôs uma das mãos no meu ombro, e obrigou-me a estar sentado. Cuidei que ia dizer alguma coisa; mas estremeceu, como se tivesse um arrepio de frio, voltou as costas e foi sentar-se na cadeira, onde me achara lendo. Dali relanceou a vista pelo espelho, que ficava por cima do canapé, falou de duas gravuras que pendiam da parede.
- Estes quadros estão ficando velhos. Já pedi a Chiquinho para comprar outros.
Chiquinho era o marido. Os quadros falavam do principal negócio deste homem. Um representava "Cleópatra"; não me recordo o assunto do outro, mas eram mulheres. Vulgares ambos; naquele tempo não me pareciam feios.
- São bonitos, disse eu.
- Bonitos são; mas estão manchados. E depois francamente, eu preferia duas imagens, duas santas. Estas são mais próprias para sala de rapaz ou de barbeiro.
- De barbeiro? A senhora nunca foi a casa de barbeiro.
- Mas imagino que os fregueses, enquanto esperam, falam de moças e namoros, e naturalmente o dono da casa alegra a vista deles com figuras bonitas. Em casa de família é que não acho próprio. É o que eu penso; mas eu penso muita coisa assim esquisita. Seja o que for, não gosto dos quadros. Eu tenho uma Nossa Senhora da Conceição, minha madrinha, muito bonita; mas é de escultura, não se pode pôr na parede, nem eu quero. Está no meu oratório.
A idéia do oratório trouxe-me a da missa, lembrou-me que podia ser tarde e quis dizê-lo. Penso que cheguei a abrir a boca, mas logo a fechei para ouvir o que ela contava, com doçura, com graça, com tal moleza que trazia preguiça à minha alma e fazia esquecer a missa e a igreja. Falava das suas devoções de menina e moça. Em seguida referia umas anedotas de baile, uns casos de passeio, reminiscências de Paquetá, tudo de mistura, quase sem interrupção. Quando cansou do passado, falou do presente, dos negócios da casa, das canseiras de família, que lhe diziam ser muitas, antes de casar, mas não eram nada. Não me contou, mas eu sabia que casara aos vinte e sete anos.
Já agora não trocava de lugar, como a princípio, e quase não saíra da mesma atitude. Não tinha os grandes olhos compridos, e entrou a olhar à toa para as paredes.
- Precisamos mudar o papel da sala, disse daí a pouco, como se falasse consigo.
Concordei, para dizer alguma coisa, para sair da espécie de sono magnético, ou o que quer que era que me tolhia a língua e os sentidos. Queria e não queria acabar a conversação; fazia esforço para arredar os olhos dela, e arredava-os por um sentimento de respeito; mas a idéia de parecer que era aborrecimento, quando não era, levava-me os olhos outra vez para Conceição. A conversa ia morrendo. Na rua, o silêncio era completo.
Chegamos a ficar por algum tempo, - não posso dizer quanto, - inteiramente calados. O rumor único e escasso, era um roer de camundongo no gabinete, que me acordou daquela espécie de sonolência; quis falar dele, mas não achei modo. Conceição parecia estar devaneando. Subitamente, ouvi uma pancada na janela, do lado de fora, e uma voz que bradava: "Missa do galo! missa do galo!"
- Aí está o companheiro, disse ela levantando-se. Tem graça; você é que ficou de ir acordá-lo, ele é que vem acordar você. Vá, que hão de ser horas; adeus.
- Já serão horas? perguntei.
- Naturalmente.
- Missa do galo! repetiram de fora, batendo.
-Vá, vá, não se faça esperar. A culpa foi minha. Adeus; até amanhã.
E com o mesmo balanço do corpo, Conceição enfiou pelo corredor dentro, pisando mansinho. Saí à rua e achei o vizinho que esperava. Guiamos dali para a igreja. Durante a missa, a figura de Conceição interpôs-se mais de uma vez, entre mim e o padre; fique isto à conta dos meus dezessete anos. Na manhã seguinte, ao almoço, falei da missa do galo e da gente que estava na igreja sem excitar a curiosidade de Conceição. Durante o dia, achei-a como sempre, natural, benigna, sem nada que fizesse lembrar a conversação da véspera. Pelo Ano-Bom fui para Mangaratiba. Quando tornei ao Rio de Janeiro, em março, o escrivão tinha morrido de apoplexia. Conceição morava no Engenho Novo, mas nem a visitei nem a encontrei. Ouvi mais tarde que casara com o escrevente juramentado do marido.


Fonte: Contos Consagrados - Machado de Assis - Coleção Pretígio - Ediouro - s/d.

Machado de Assis

UNS BRAÇOS

Inácio estremeceu, ouvindo os gritos do solicitador, recebeu o prato que este lhe apresentava e tratou de comer, debaixo de uma trovoada de nomes, malandro, cabeça de vento, estúpido, maluco.
- Onde anda que nunca ouve o que lhe digo? Hei de contar tudo a seu pai, para que lhe sacuda a preguiça do corpo com uma boa vara de marmelo, ou um pau; sim, ainda pode apanhar, não pense que não. Estúpido! maluco!
- Olhe que lá fora é isto mesmo que você vê aqui, continuou, voltando-se para D. Severina, senhora que vivia com ele maritalmente, há anos. Confunde-me os papéis todos, erra as casas, vai a um escrivão em vez de ir a outro, troca os advogados: é o diabo! É o tal sono pesado e contínuo. De manhã é o que se vê; primeiro que acorde é preciso quebrar-lhe os ossos... Deixe; amanhã hei de acordá-lo a pau de vassoura!
D. Severina tocou-lhe no pé, como pedindo que acabasse. Borges espeitorou ainda alguns impropérios, e ficou em paz com Deus e os homens.
Não digo que ficou em paz com os meninos, porque o nosso Inácio não era propriamente menino. Tinha quinze anos feitos e bem feitos. Cabeça inculta, mas bela, olhos de rapaz que sonha, que adivinha, que indaga, que quer saber e não acaba de saber nada. Tudo isso posto sobre um corpo não destituído de graça, ainda que mal vestido. O pai é barbeiro na Cidade Nova, e pô-lo de agente, escrevente, ou que quer que era, do solicitador Borges, com esperança de vê-lo no foro, porque lhe parecia que os procuradores de causas ganhavam muito. Passava-se isto na Rua da Lapa, em 1870.
Durante alguns minutos não se ouviu mais que o tinir dos talheres e o ruído da mastigação. Borges abarrotava-se de alface e vaca; interrompia-se para virgular a oração com um golpe de vinho e continuava logo calado.
Inácio ia comendo devagarinho, não ousando levantar os olhos do prato, nem para colocá-los onde eles estavam no momento em que o terrível Borges o descompôs. Verdade é que seria agora muito arriscado. Nunca ele pôs os olhos nos braços de D. Severina que se não esquecesse de si e de tudo.
Também a culpa era antes de D. Severina em trazê-los assim nus, constantemente. Usava mangas curtas em todos os vestidos de casa, meio palmo abaixo do ombro; dali em diante ficavam-lhe os braços à mostra. Na verdade, eram belos e cheios, em harmonia com a dona, que era antes grossa que fina, e não perdiam a cor nem a maciez por viverem ao ar; mas é justo explicar que ela os não trazia assim por faceira, senão porque já gastara todos os vestidos de mangas compridas. De pé, era muito vistosa; andando, tinha meneios engraçados; ele, entretanto, quase que só a via à mesa, onde, além dos braços, mal poderia mirar-lhe o busto. Não se pode dizer que era bonita; mas também não era feia. Nenhum adorno; o próprio penteado consta de mui pouco; alisou os cabelos, apanhou-os, atou-os e fixou-os no alto da cabeça com o pente de tartaruga que a mãe lhe deixou. Ao pescoço, um lenço escuro, nas orelhas, nada. Tudo isso com vinte e sete anos floridos e sólidos.
Acabaram de jantar. Borges, vindo o café, tirou quatro charutos da algibeira, comparou-os, apertou-os entre os dedos, escolheu um e guardou os restantes. Aceso o charuto, fincou os cotovelos na mesa e falou a D. Severina de trinta mil coisas que não interessavam nada ao nosso Inácio; mas enquanto falava, não o descompunha e ele podia devanear à larga.
Inácio demorou o café o mais que pôde. Entre um e outro gole alisava a toalha, arrancava dos dedos pedacinhos de pele imaginários ou passava os olhos pelos quadros da sala de jantar, que eram dois, um S. Pedro e um S. João, registros trazidos de festas encaixilhados em casa. Vá que disfarçasse com S. João, cuja cabeça moça alegra as imaginações católicas, mas com o austero S. Pedro era demais. A única defesa do moço Inácio é que ele não via nem um nem outro; passava os olhos por ali como por nada. Via só os braços de D. Severina, - ou porque sorrateiramente olhasse para eles, ou porque andasse com eles impressos na memória.
- Homem, você não acaba mais? bradou de repente o solicitador.
 Não havia remédio; Inácio bebeu a última gota, já fria, e retirou-se, como de costume, para o seu quarto, nos fundos da casa. Entrando, fez um gesto de zanga e desespero e foi depois encostar-se a uma das duas janelas que davam para o mar. Cinco minutos depois, a vista das águas próximas e das montanhas ao longe restituía-lhe o sentimento confuso, vago, inquieto, que lhe doía e fazia bem, alguma coisa que deve sentir a planta, quando abotoa a primeira flor. Tinha vontade de ir embora e de ficar. Havia cinco semanas que ali morava, e a vida era sempre a mesma, sair de manhã com o Borges, andar por audiências e cartórios, correndo, levando papéis ao selo, ao distribuidor, aos escrivães, aos oficiais de justiça. Voltava à tarde, jantava e recolhia-se ao quarto, até a hora da ceia; ceava e ia dormir. Borges não lhe dava intimidade na família, que se compunha apenas de D. Severina, nem Inácio a via mais de três vezes por dia, durante as refeições. Cinco semanas de solidão, de trabalho sem gosto, longe da mãe e das irmãs; cinco semanas de silêncio, porque ele só falava uma ou outra vez na rua; em casa, nada.
- Deixe estar, - pensou ele um dia - fujo daqui e não volto mais.
Não foi; sentiu-se agarrado e acorrentado pelos braços de D. Severina. Nunca vira outros tão bonitos e tão frescos. A educação que tivera não lhe permitia encará-los logo abertamente, parece até que a princípio afastava os olhos, vexado. Encarou-os pouco a pouco, ao ver que eles não tinham outras mangas, e assim os foi descobrindo, mirando e amando. No fim de três semanas eram eles, moralmente falando, as suas tendas de repouso. Agüentava toda a trabalheira de fora toda a melancolia da solidão e do silêncio, toda a grosseria do patrão, pela única paga de ver, três vezes por dia, o famoso par de braços.
Naquele dia, enquanto a noite ia caindo e Inácio estirava-se na rede (não tinha ali outra cama), D. Severina, na sala da frente, recapitulava o episódio do jantar e, pela primeira vez, desconfiou alguma coisa Rejeitou a idéia logo, uma criança! Mas há idéias que são da família das moscas teimosas: por mais que a gente as sacuda, elas tornam e pousam. Criança? Tinha quinze anos; e ela advertiu que entre o nariz e a boca do rapaz havia um princípio de rascunho de buço. Que admira que começasse a amar? E não era ela bonita? Esta outra idéia não foi rejeitada, antes afagada e beijada. E recordou então os modos dele, os esquecimentos, as distrações, e mais um incidente, e mais outro, tudo eram sintomas, e concluiu que sim.
- Que é que você tem? disse-lhe o solicitador, estirado no canapé, ao cabo de alguns minutos de pausa.
- Não tenho nada.
- Nada? Parece que cá em casa anda tudo dormindo! Deixem estar, que eu sei de um bom remédio para tirar o sono aos dorminhocos...
E foi por ali, no mesmo tom zangado, fuzilando ameaças, mas realmente incapaz de as cumprir, pois era antes grosseiro que mau. D. Severina interrompia-o que não, que era engano, não estava dormindo, estava pensando na comadre Fortunata. Não a visitavam desde o Natal; por que não iriam lá uma daquelas noites? Borges redargüia que andava cansado, trabalhava como um negro, não estava para visitas de parola, e descompôs a comadre, descompôs o compadre, descompôs o afilhado, que não ia ao colégio, com dez anos! Ele, Borges, com dez anos, já sabia ler, escrever e contar, não muito bem, é certo, mas sabia. Dez anos! Havia de ter um bonito fim: - vadio, e o côvado e meio nas costas. A tarimba é que viria ensiná-lo.
D. Severina apaziguava-o com desculpas, a pobreza da comadre, o caiporismo do compadre, e fazia-lhe carinhos, a medo, que eles podiam irritá-lo mais. A noite caíra de todo; ela ouviu o tlic do lampião do gás da rua, que acabavam de acender, e viu o clarão dele nas janelas da casa fronteira. Borges, cansado do dia, pois era realmente um trabalhador de primeira ordem, foi fechando os olhos e pegando no sono, e deixou-a só na sala, às escuras, consigo e com a descoberta que acaba de fazer.
Tudo parecia dizer à dama que era verdade; mas essa verdade, desfeita a impressão do assombro, trouxe-lhe uma complicação moral que ela só conheceu pelos efeitos, não achando meio de discernir o que era. Não podia entender-se nem equilibrar-se, chegou a pensar em dizer tudo ao solicitador, e ele que mandasse embora o fedelho. Mas que era tudo? Aqui estacou: realmente, não havia mais que suposição, coincidência e possivelmente ilusão. Não, não, ilusão não era. E logo recolhia os indícios vagos, as atitudes do mocinho, o acanhamento, as distrações, para rejeitar a idéia de estar enganada. Daí a pouco, (capciosa natureza!) refletindo que seria mau acusá-lo sem fundamento, admitiu que se iludisse, para o único fim de observá-lo melhor e averiguar bem a realidade das coisas.
 Já nessa noite, D. Severina mirava por baixo dos olhos os gestos de Inácio; não chegou a achar nada, porque o tempo do chá era curto e o rapazinho não tirou os olhos da xícara. No dia seguinte pôde observar melhor, e nos outros otimamente. Percebeu que sim, que era amada e temida, amor adolescente e virgem, retido pelos liames sociais e por um sentimento de inferioridade que o impedia de reconhecer-se a si mesmo. D. Severina compreendeu que não havia recear nenhum desacato, e concluiu que o melhor era não dizer nada ao solicitador; poupava-lhe um desgosto, e outro à pobre criança. Já se persuadia bem que ele era criança, e assentou de o tratar tão secamente como até ali, ou ainda mais. E assim fez; Inácio começou a sentir que ela fugia com os olhos, ou falava áspero, quase tanto como o próprio Borges. De outras vezes, é verdade que o tom da voz saía brando e até meigo, muito meigo; assim como o olhar geralmente esquivo, tanto errava por outras partes, que, para descansar, vinha pousar na cabeça dele; mas tudo isso era curto.
- Vou-me embora, repetia ele na rua como nos primeiros dias.
 Chegava a casa e não se ia embora. Os braços de D. Severina fechavam-lhe um parêntesis no meio do longo e fastidioso período da vida que levava, e essa oração intercalada trazia uma idéia original e profunda, inventada pelo céu unicamente para ele. Deixava-se estar e ia andando. Afinal, porém, teve de sair, e para nunca mais; eis aqui como e porquê.
 D. Severina tratava-o desde alguns dias com benignidade. A rudeza da voz parecia acabada, e havia mais do que brandura, havia desvelo e carinho. Um dia recomendava-lhe que não apanhasse ar, outro que não bebesse água fria depois do café quente, conselhos, lembranças, cuidados de amiga e mãe, que lhe lançaram na alma ainda maior inquietação e confusão. Inácio chegou ao extremo de confiança de rir um dia à mesa, coisa que jamais fizera; e o solicitador não o tratou mal dessa vez, porque era ele que contava um caso engraçado, e ninguém pune a outro pelo aplauso que recebe. Foi então que D. Severina viu que a boca do mocinho, graciosa estando calada, não o era menos quando ria.
 A agitação de Inácio ia crescendo, sem que ele pudesse acalmar-se nem entender-se. Não estava bem em parte nenhuma. Acordava de noite, pensando em D. Severina. Na rua, trocava de esquinas, errava as portas, muito mais que dantes, e não via mulher, ao longe ou ao perto, que lha não trouxesse à memória. Ao entrar no corredor da casa, voltando do trabalho, sentia sempre algum alvoroço, às vezes grande, quando dava com ela no topo da escada, olhando através das grades de pau da cancela, como tendo acudido a ver quem era.
 Um domingo, - nunca ele esqueceu esse domingo, - estava só no quarto, à janela, virado para o mar, que lhe falava a mesma linguagem obscura e nova de D. Severina. Divertia-se em olhar para as gaivotas, que faziam grandes giros no ar, ou pairavam em cima d'água, ou avoaçavam somente. O dia estava lindíssimo. Não era só um domingo cristão; era um imenso domingo universal.
 Inácio passava-os todos ali no quarto ou à janela, ou relendo um dos três folhetos que trouxera consigo, contos de outros tempos, comprados a tostão, debaixo do passadiço do Largo do Paço. Eram duas horas da tarde. Estava cansado, dormira mal a noite, depois de haver andado muito na véspera; estirou-se na rede, pegou em um dos folhetos, a Princesa Magalona, e começou a ler. Nunca pôde entender por que é que todas as heroínas dessas velhas histórias tinham a mesma cara e talhe de D. Severina, mas a verdade é que os tinham. Ao cabo de meia hora, deixou cair o folheto e pôs os olhos na parede, donde, cinco minutos depois, viu sair a dama dos seus cuidados. O natural era que se espantasse; mas não se espantou. Embora com as pálpebras cerradas viu-a desprender-se de todo, parar, sorrir e andar para a rede. Era ela mesma, eram os seus mesmos braços.
 É certo, porém, que D. Severina, tanto não podia sair da parede, dado que houvesse ali porta ou rasgão, que estava justamente na sala da frente ouvindo os passos do solicitador que descia as escadas. Ouviu-o descer; foi à janela vê-lo sair e só se recolheu quando ele se perdeu ao longe, no caminho da Rua das Mangueiras. Então entrou e foi sentar-se no canapé. Parecia fora do natural, inquieta, quase maluca; levantando-se, foi pegar na jarra que estava em cima do aparador e deixou-a no mesmo lugar; depois caminhou até à porta, deteve-se e voltou, ao que parece, sem plano. Sentou-se outra vez cinco ou dez minutos. De repente, lembrou-se que Inácio comera pouco ao almoço e tinha o ar abatido, e advertiu que podia estar doente; podia ser até que estivesse muito mal.
 Saiu da sala, atravessou rasgadamente o corredor e foi até o quarto do mocinho, cuja porta achou escancarada. D. Severina parou, espiou, deu com ele na rede, dormindo, com o braço para fora e o folheto caído no chão. A cabeça inclinava-se um pouco do lado da porta, deixando ver os olhos fechados, os cabelos revoltos e um grande ar de riso e de beatitude.
 D. Severina sentiu bater-lhe o coração com veemência e recuou. Sonhara de noite com ele; pode ser que ele estivesse sonhando com ela. Desde madrugada que a figura do mocinho andava-lhe diante dos olhos como uma tentação diabólica. Recuou ainda, depois voltou, olhou dois, três, cinco minutos, ou mais. Parece que o sono dava à adolescência de Inácio uma expressão mais acentuada, quase feminina, quase pueril. Uma criança! disse ela a si mesma, naquela língua sem palavras que todos trazemos conosco. E esta idéia abateu-lhe o alvoroço do sangue e dissipou-lhe em parte a turvação dos sentidos.
- Uma criança!
E mirou-o lentamente, fartou-se de vê-lo, com a cabeça inclinada, o braço caído; mas, ao mesmo tempo que o achava criança, achava-o bonito, muito mais bonito que acordado, e uma dessas idéias corrigia ou corrompia a outra. De repente estremeceu e recuou assustada: ouvira um ruído ao pé, na saleta do engomado; foi ver, era um gato que deitara uma tigela ao chão. Voltando devagarinho a espiá-lo, viu que dormia profundamente. Tinha o sono duro a criança! O rumor que a abalara tanto, não o fez sequer mudar de posição. E ela continuou a vê-lo dormir, - dormir e talvez sonhar.
Que não possamos ver os sonhos uns dos outros! D. Severina ter-se-ia visto a si mesma na imaginação do rapaz; ter-se-ia visto diante da rede, risonha e parada; depois inclinar-se, pegar-lhe nas mãos, levá-las ao peito, cruzando ali os braços, os famosos braços. Inácio, namorado deles, ainda assim ouvia as palavras dela, que eram lindas cálidas, principalmente novas, - ou, pelo menos, pertenciam a algum idioma que ele não conhecia, posto que o entendesse. Duas três e quatro vezes a figura esvaía-se, para tornar logo, vindo do mar ou de outra parte, entre gaivotas, ou atravessando o corredor com toda a graça robusta de que era capaz. E tornando, inclinava-se, pegava-lhe outra vez das mãos e cruzava ao peito os braços, até que inclinando-se, ainda mais, muito mais, abrochou os lábios e deixou-lhe um beijo na boca.
Aqui o sonho coincidiu com a realidade, e as mesmas bocas uniram-se na imaginação e fora dela. A diferença é que a visão não recuou, e a pessoa real tão depressa cumprira o gesto, como fugiu até à porta, vexada e medrosa. Dali passou à sala da frente, aturdida do que fizera, sem olhar fixamente para nada. Afiava o ouvido, ia até o fim do corredor, a ver se escutava algum rumor que lhe dissesse que ele acordara, e só depois de muito tempo é que o medo foi passando. Na verdade, a criança tinha o sono duro; nada lhe abria os olhos, nem os fracassos contíguos, nem os beijos de verdade. Mas, se o medo foi passando, o vexame ficou e cresceu. D. Severina não acabava de crer que fizesse aquilo; parece que embrulhara os seus desejos na idéia de que era uma criança namorada que ali estava sem consciência nem imputação; e, meia mãe, meia amiga, inclinara-se e beijara-o. Fosse como fosse, estava confusa, irritada, aborrecida mal consigo e mal com ele. O medo de que ele podia estar fingindo que dormia apontou-lhe na alma e deu-lhe um calafrio.
 Mas a verdade é que dormiu ainda muito, e só acordou para jantar. Sentou-se à mesa lépido. Conquanto achasse D. Severina calada e severa e o solicitador tão ríspido como nos outros dias, nem a rispidez de um, nem a severidade da outra podiam dissipar-lhe a visão graciosa que ainda trazia consigo, ou amortecer-lhe a sensação do beijo. Não reparou que D. Severina tinha um xale que lhe cobria os braços; reparou depois, na segunda-feira, e na terça-feira, também, e até sábado, que foi o dia em que Borges mandou dizer ao pai que não podia ficar com ele; e não o fez zangado, porque o tratou relativamente bem e ainda lhe disse à saída:
- Quando precisar de mim para alguma coisa, procure-me.
- Sim, senhor. A Sra. D. Severina...
- Está lá para o quarto, com muita dor de cabeça. Venha amanhã ou depois despedir-se dela.
Inácio saiu sem entender nada. Não entendia a despedida, nem a completa mudança de D. Severina, em relação a ele, nem o xale, nem nada. Estava tão bem! falava-lhe com tanta amizade! Como é que, de repente... Tanto pensou que acabou supondo de sua parte algum olhar indiscreto, alguma distração que a ofendera, não era outra coisa; e daqui a cara fechada e o xale que cobria os braços tão bonitos... Não importa; levava consigo o sabor do sonho. E através dos anos, por meio de outros amores, mais efetivos e longos, nenhuma sensação achou nunca igual à daquele domingo, na Rua da Lapa, quando ele tinha quinze anos. Ele mesmo exclama às vezes, sem saber que se engana:
- E foi um sonho! um simples sonho!


Fonte: Contos Consagrados - Machado de Assis - Coleção Prestígio - Ediouro - s/d